Opinião

Job Crafting para mitigar o sofrimento nas organizações

Job Crafting para mitigar o sofrimento nas organizações

Que mais de 30% dos trabalhadores brasileiros em atividade tem Síndrome de Burnout, não é novidade. Este número já havia sido estimado antes mesmo da pandemia de Covid-19 pela Associação Nacional de Medicina do trabalho (2018). Isto faz com que o Brasil assuma a triste posição de segundo país com maior incidência da doença no mundo, “perdendo” apenas para o Japão. Segundo pesquisa do Instituto Ipsos, 53% dos brasileiros pioraram sua saúde mental entre 2020 e 2021. No contexto “pós”-pandêmico, tal estatística só tem se agravado. Também não é novidade que este ano a OMS reconheceu o Burnout como um fenômeno ocupacional, jogando ainda mais luz na necessidade de as empresas olharem para a saúde mental de seus colaboradores e para a sua forma de organização do trabalho. No Burnout há uma combinação de fatores que levam à síndrome, alguns deles de responsabilidade direta da organização, tais como carga de trabalho, clima organizacional, grau de autonomia e gratificação no trabalho, dentre outros. Sabemos, ademais, que o Burnout não é o único tipo de adoecimento oriundo das relações e condições de trabalho, a escolha feita aqui é para ilustrar uma das várias possibilidades de sofrimento no trabalho.

Líderes conscientes sabem que o medo, o foco excessivo em produtividade e resultados, a fragmentação dos laços afetivos, assédio moral, dentre outros, são fatores de adoecimento no trabalho. Afinal, “Amor e Cuidado” é uma de suas competências. Portanto, para que se possa colocar em prática o pilar da Liderança Consciente nas organizações, deve-se perguntar o que no trabalho pode ser apontado como fonte de nocividade à saúde dos colaboradores. O trabalho não pode ser uma negatividade da vida, mas, muito pelo contrário, é sua expressão. Quando criativo, possibilita uma estruturação positiva da identidade, aumentando a resiliência das pessoas às várias formas de desequilíbrios físicos e mentais. Dessa maneira o trabalho pode ser mediador entre saúde e doença. Infelizmente, o capitalismo tradicional, baseado na teoria de shareholders e com sua relação utilitarista frente aos “recursos humanos” não permitiu/permite que isto aconteça. Assim sendo, é preciso atuar na questão de saúde mental no trabalho de forma mais ampla e consciente. Como bem nos lembra Raj Sisodia (2020), “Se você não escolhe conscientemente ser parte da cura, você será parte da dor”.

Uma das principais formas de sofrimento no trabalho é o esvaziamento de seu conteúdo significativo. Isto acontece, principalmente, na ausência de flexibilidade da organização do trabalho. Ações de cuidado, segurança e saúde são necessárias, mas não são suficientes por si só. O espaço de autonomia e autorrealização é um fator de proteção bastante relevante para a saúde mental nas empresas. As pessoas, na construção de suas identidades no trabalho, precisam se sentir autoras. Assim sendo, uma prática consciente que pode contribuir para o favorecimento da saúde mental nas organizações é o Job Crafting.

Job Crafting é aquilo que os indivíduos fazem para redesenhar seus próprios trabalhos, de forma a fomentar seu engajamento e satisfação no trabalho, bem como a resiliência e o florescimento. Como o próprio nome diz é um artesanato, um talhar/esculpir o próprio trabalho para que ele fique mais à maneira de quem o realiza. Isto pode acontecer de três formas:

1.Task Crafting: os indivíduos mudam o tipo, o número ou a natureza das tarefas que fazem.

2. Relational Crafting: os indivíduos mudam a natureza das interações, dos relacionamentos que têm no trabalho, de forma a mudar como pensam sobre o significado de seu trabalho.

3. Cognitive Crafting: os indivíduos mudam a forma como percebem suas tarefas e seu significado.

São exemplos de ações que envolvem aspectos de Job Crafting:

Delineamento de funções mais flexíveis;

Estímulo a inovações de processos;

PDI (Plano de Desenvolvimento Individual) que consideram também os interesses dos profissionais e não apenas os da organização;

Metas estratégicas que sejam desafiadoras em termos de criatividade;

Intervenções e exercícios específicos de Job Crafting, etc.

O Job Crafting influencia a forma como as pessoas de fato vivenciam seus trabalhos (o que, como, quando, e com quem ele é realizado). Ele muda o sentido e o propósito do trabalho, dando às pessoas a oportunidade de ter seu próprio impacto agêntico sobre sua contribuição para a organização, para a sociedade e sobre o papel do trabalho na sua vida.

Na medida em que cria sentido para o trabalho, é um caminho importante para a saúde mental e felicidade de todos nas organizações. Cabe salientar que o Job Crafting acontece em todos os locais, quer seja estimulado, ignorado ou proibido. Portanto, para que seja de fato uma prática consciente é necessário que seja um processo intencional, planejado e pautado na interseção do propósito maior da organização com os propósitos dos indivíduos que a ela pertencem.

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