Luta pela dignidade

“As mulheres são exatamente como os homens na capacidade de julgar e de cometer erros.” (Lin Yutang)
O calendário aponta a proximidade da celebração do “Dia Internacional da Mulher”. Ocasião propícia para se reafirmar que a luta pelos direitos femininos é uma luta em prol da dignidade humana.
O sempre momentoso tema convida-me a registrar, neste “minifúndio de ideias”, prosaicos conceitos que me empenho em propagar nos ditos e escritos de minha trajetória como jornalista.
João XXIII declarou, certa feita, que a batalha da mulher pela obtenção de direitos representa uma das maiores revoluções empreendidas pela humanidade. Como sempre, ele sabia do que estava falando. A dolorida história da promoção da mulher simboliza, melhor do que qualquer outro esforço humano de crescimento, a história por inteiro das conquistas da cidadania.
Nos óbices defrontados acham-se inseridos asfixiantes preconceitos e camisas de força, presentes na vida comunitária. Frutos malsãos do obscurantismo, do machismo, da insensibilidade para compreender o sentimento do mundo.
É fácil detectar, em horas trevosas, que a mulher é invariavelmente penalizada em dobro, em relação ao homem. O racismo a alveja por ser negra, por ser cigana, por ser judia, ou por não ser judia e por ser mulher. Ela paga o pato, por assim dizer, por pertencer à etnia errada, em lugar ou momento errados, na concepção do radicalismo em determinado cenário, e por ser mulher. Por pertencer à religião enjeitada, nas mesmas circunstâncias de ambiente e época, e por ser mulher. Assim por diante.
Numa cena da meninice, saída do baú das recordações, vejo desenhado o perfil da primeira provável “líder feminista” que conheci. Uma moça de seus 30 anos, dona de semblante simpático e de corpo bem proporcionado. Trescalava obstinação pelos poros. Os gestos exuberantes, herança napolitana, nela reforçavam as palavras ditas em tom de voz quase cantante. Por um tempão, já adulto, alimentei sem êxito o desejo de manter com ela um dedo de prosa. Até hoje carrego o dilema que um bom papo poderia certamente desfazer. Teve ela, a qualquer tempo, exata percepção do sentido precursor das ações que assumiu?
Todas as tardes, eu a avistava descendo a ladeira que dava num campo de futebol improvisado, onde a garotada tocava suas peladas movidas a bola de pano, brigas inofensivas e um que outro palavrão, punido às vezes com chinelada. A sensação era de que Verlaine descobrira naquele gracioso desfile vespertino inspiração para os versos: “Quando ela anda, eu diria que ela dança.”
Pontualidade, um atributo todo seu. Havia quem acertasse o relógio à sua passagem. Era o momento exato em que as janelas nas redondezas se fechavam estrepitosamente, sinal de zanga malcontida. Olhares e murmurações recriminatórios acompanhavam-lhe a caminhada graciosa por detrás das venezianas, até que escapulisse por completo do raio de visão do falso puritanismo entocaiado. Tudo compunha clima de excitante e novelesco mistério que aguçava pra valer a cuca da gente. Por que as coisas corriam daquela maneira? O que a nossa heroína andava aprontando?
Prepare-se o distinto e benevolente leitorado destas maltraçadas, mormente da ala das fumantes, para baita impacto. Nossa valente personagem, apenas e simplesmente, foi a mulher que, naquele aprazível e progressista rincão (Uberaba, de meu permanente encantamento), primeiro ousou fumar em público. Ousou mais – “imaginem só o descaramento!” – : foi também a primeira mulher que se atreveu a sair na rua usando calça comprida. Guardo até hoje seu nome. E seu (deveras sugestivo) sobrenome: Valente.
Tais lembranças, de simbólico surrealismo, chegam a propósito da temática aqui enfocada, que pede, obviamente, outras observações e reflexões.
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