Opinião

Maus perdedores

Maus perdedores

O poder de compra do brasileiro veio caindo consideravelmente nos últimos quatro anos. E a situação dos menos favorecidos está muito pior. Deflagrou-se a volta da miséria, com famílias revirando lixo. A pele de frango virou artigo de luxo na mesa de muitos.

Tenta-se justificar: tudo se deve à pandemia e não a um governo sem competência e pegada social. O próprio governo ignorou os sinais da crise ainda em seus primórdios. Falta de antevisão? Também. Nossa bandeira rasgou-se ao meio (com a tática extremista do “nós e eles”).

Até a fé esteve ameaçada: com currais eleitorais nas igrejas, intolerância religiosa estimulada e pelo sofrimento negligenciado e evitável, o que causou descrença generalizada. Deus (queda da fé até em si mesmo), Pátria (nação dividida pelo maniqueísmo oportunista) e Família (doente, com fome e sem casa): trinômio da hipocrisia. Facções religiosas e outras elites nadando em vantagens.

Economia x ecologia. Preço dos combustíveis aumentando sem trégua e levando junto o de alimentos e serviços.

Não satisfeito, o “líder”, em pessoa, promoveu ataques às instituições e desfez do processo eleitoral mais reconhecido do mundo.

Incentivou-se a violência sem e com armas (acesso facilitado, incluindo fuzis e granadas).

Confundiu-se o Brasil com informação falsa. Qualquer liderança se faz (e se reelege) a partir de virtudes e feitos reais. Sequer desfazendo de outras para ocupar espaços que nunca lhe pertenceram. Uma hora a conta da imoralidade virtual chegaria.

Foram fartamente regados os cofres do centrão, novo tipo de “petrolão” (bastante usado como exemplo de corrupção), tendo boa parte dos recursos saído de áreas imprescindíveis, em prol de orçamentos secretos.

Devoto da ditadura, infestou postos estratégicos do governo com militares. Alguns sem diplomacia ou competência básica para a gestão.

Desdenhou das vítimas da Covid-19 enquanto centenas de milhares morriam por falta de vacinas e/ou atendimento. O desemprego também pesou nas urnas. Fora a exumação de ideais nazi-facistas e da fusão do Estado com o fundamentalismo, semeado por um idealismo perverso.

O Brasil acaba de derrubar uma “dinastia” com visão e postura medíocres, inclusive negacionistas. Perguntamo-nos se os que se dizem de luto, propondo bloqueios ao Nordeste e às vias circulatórias do País, não querem admitir-se ingênuos esse tempo todo? Talvez por uma inexplicável idolatria à intolerância, ao racismo e ao preconceito em geral, que conflitam com a liberdade e a verdade como valores inegociáveis? E por que atribuir a Deus a outorga da maldade dos homens?

Bora tentar mudar a realidade de tantos, até porque a maioria que definiu a eleição tem motivos genuínos para isso!

O novo presidente precisa ser apoiado, mas também fortemente fiscalizado. Não há mágica. Sem nos esquecermos de que nunca houve um deus no poder. A propósito, a mitologia brasileira provou que não conseguiu encantar a todos; tanto que a maioria tomou o ‘Dia do Halloween’ para afugentar falsos profetas.

Não se deve idolatrar a “pureza” política de nenhum lado – porque ambos são passíveis de deslizes morais. Alguns até precisam de sigilos centenários para se equilibrarem via uma ética de Facebook.

O resultado das eleições é legítimo e a sabedoria estará na aceitação. Seria possível unir um Brasil estrategicamente segmentado? Talvez não em curto prazo. Imprescindível baixar as armas, voltar com o ódio para o lugar de onde nunca deveria ter sido tirado e permitir que a racionalidade volte a disciplinar o instinto e as emoções. Há urgência de civilidade, cuja deficiência também pareceu tirar votos.

Eis o maior desafio dos que amam o bem coletivo e nosso País: uni-lo. Embora tudo aflua para um indizível orgulho pessoal por parte do novo presidente, a incontestável admiração do povo brasileiro jamais será maior que o grau de sua responsabilidade. E como estamos diante de aparentes maus perdedores, que tenhamos a graça de um hábil vencedor!

(Os artigos assinados refletem a opinião do autor. O Diário do Comércio não se responsabiliza e nem poderá ser responsabilizado pelas informações e conceitos emitidos e seu uso incorreto)
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