Opinião

Medidas urgentes: um capitalismo consciente e civilizado? (l)

Medidas urgentes: um capitalismo consciente e civilizado? (l)
Crédito: Pixabay

Nair Costa Muls*

Existe uma certa unanimidade na crença de que essa pandemia, que se estende avassaladoramente pelo mundo, matando milhares de pessoas, tem um significado muito especial: veio para nos fazer ver que precisamos nos mudar e mudar a vida no planeta. Isolados, fechados em nossas casas teremos a oportunidade de nos repensar e repensar a forma como que tratamos o mundo.

O alvo imediato do vírus é o ser humano: ataca suas vias respiratórias, essenciais para a vida. Produz incapacidade de respirar, sufoca, mata. Assim como estamos sufocando a terra e ameaçando a vida no planeta.

Essa doença que se alastra entre ricos e pobres e nos ameaça de morte, que nos faz ficar em casa, trancados, longe de todos e de tudo pode nos levar, sim, a repensar nossa relação com Gaia ? a mãe terra, Pancha Mama segundo os primeiros habitantes do nosso continente também intimamente ligados à natureza ? um ser vivo e consciente, ativo e em eterna troca com os humanos, num metabolismo essencial para ela e para nós: podemos melhorá-la, machucá-la e mesmo destruí-la.

A ação nefasta dos homens tem sido responsável pela devastação dos recursos naturais, pela impermeabilização dos solos, pelas mudanças do clima, pelo derretimento das geleiras e elevação do nível dos mares, enfim, pelo adoecimento da terra. A forma de produzir que se tornou dominante nos últimos séculos destrói o planeta e nos destrói, a cada um de nós, marcados pelo individualismo, pelo consumismo, e pela visão de mundo imposta pelo capital: cada vez mais dinheiro, mais poder e aceitação cega da exclusão e miséria de muitos.

O coronavírus obriga a um recolhimento total e se apresenta como uma oportunidade para pensar: quem somos nós? O que estamos fazendo com a nossa mãe terra? Para onde estamos indo? Que mundo nós queremos, para nós, nossos filhos e nossos netos?

E não podemos escapar de repensar o capitalismo. E embora essa seja uma preocupação antiga, própria da esquerda, o interessante é que, mesmo antes do Covid, ela se tornou objeto de posicionamentos e ações de outros setores da sociedade, inclusive do mundo dos negócios, mesmo nos EEUU.

Em encontro recente do movimento Capitalismo Consciente (nascido nos Estados Unidos em 2010) no Brasil, o primeiro em Belo Horizonte, promovido pela Associação Comercial de Minas Gerais, foi discutida a necessidade de se repensar o verdadeiro propósito da economia.

E os empresários presentes defenderam uma economia a serviço da sociedade, elevando o nível da existência humana e tirando as pessoas da pobreza; e solucionando os problemas criados pela forma de produção, que impactam não só o setor produtivo, como todo planeta: devastação da natureza, aquecimento global, desigualdade social e desemprego.

Embora reconhecendo que se trata de um processo demorado, ficou claro que essas mudanças devem ser implantadas o mais rapidamente possível sob uma liderança consciente e segura, envolvendo todos aqueles ligados, de uma forma ou de outra, ao campo dos negócios empresariais: acionistas, diretores e funcionários, assim como clientes, fornecedores e comunidades onde a empresa esteja inserida.

Também a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas – ADCE-MG, entidade ligada à sua entidade mãe, de nível internacional, e à Uniapac-América Latina tem buscado a vivência dos valores cristãos no mundo dos negócios e procurado humanizar o capitalismo.
O Papa Francisco, nas suas encíclicas, pronunciamentos e homilias, há muito vem defendendo um sistema produtivo justo, onde o lucro, o dinheiro e o poder não sejam os valores máximos a configurar a economia e as relações entre os diferentes atores.

Convocou para março de 2020 uma reunião planetária, reunindo os jovens do mundo inteiro e alguns economistas famosos para repensar o capitalismo e criar um novo modelo de economia: mais justo, mais sustentável e dando o lugar devido aos trabalhadores e às populações excluídas. Mais uma vez, a economia a serviço do bem comum, viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável e, portanto, oferecendo uma vida melhor para todos.

O que supõe, é claro, o resgate do papel do Estado na coordenação da atividade econômica e na implementação de políticas sociais que só a ele cabem ? educação, saúde, cultura, habitação, segurança, por exemplo.

Existe ainda um estudo do Roosevelt Institute, sediado nos Estados Unidos ? cujos trabalhos e seriedade são mundialmente reconhecidos ? “As novas regras pera o século 21”, que defende um “capitalismo civilizado”, cujos pontos básicos são os mesmos do Capitalismo Consciente.

Nesses posicionamentos, é unânime a preocupação de uma mudança urgente no rumo da economia capitalista, cujos erros são por todos reconhecidos.
Passaremos a discuti-los na II parte deste artigo.

*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich

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