Opinião

Mês das Mulheres. Do discurso à prática como podemos intervir?

Mês das Mulheres. Do discurso à prática como podemos intervir?

LETÍCIA LINS*

O mês de março e o Dia Internacional das Mulheres é um período tradicionalmente cercado de bastante simbolismo tanto no âmbito da sociedade civil quanto no mundo corporativo. A data foi oportunamente incorporada ao calendário do varejo e desde então é usada para presentear as mulheres e as colaboradoras com toda a sorte de souvenirs que vão desde chocolates, flores, dias da beleza, seção de fotografias e etc. Mas qual o problema disso?

A grande questão é que o sentido original da data não é celebrar e enaltecer as características femininas e sim reafirmar questões estruturais que atravessam a nossa sociedade, reforçam a cultura patriarcal, e resultam na desigualdade entre os gêneros. O Dia Internacional das Mulheres é uma data política que busca reiterar a urgência de se repensar o papel social dos homens e das mulheres.

Sendo assim, presentear as colaboradoras com mimos “femininos” trata-se de vieses inconscientes de gênero que vem tentando ser combatidos por instituições e empresas focadas em práticas sustentáveis, antenadas para as questões do ESG e estruturadas com departamento de Diversidade, Equidade & Inclusão (DE&I), porém o caminho é ainda longo e precisamos avançar.

Só para se ter uma ideia, segundo dados do Global Gender Gap Report 2021, se nada for feito em termos de redução da desigualdade de gênero dentro das empresas, vai demorar em média 267 anos para que as mulheres alcancem os mesmos salários que os homens. E não para por aí, segundo pesquisa do IBGE, mulheres ganham até 23% menos que os homens nas mesmas funções, e o Brasil é o 89º país no ranking de oportunidades econômicas para mulheres, segundo World Economic Forum. Embora essa diferença seja um problema global, o Brasil se destaca negativamente como um dos piores países nesse ranking de diferenças salariais, atrás inclusive de países como Jamaica, Paraguai e Nigéria.

Porém nem tudo está perdido, segundo o último relatório do Índice de Igualdade de Gênero da Bloomberg, uma referência reconhecida mundialmente para o acompanhamento do progresso em inclusão de gênero nas empresas de capital aberto, das 600 companhias participantes ao redor do mundo, 16 estão no Brasil, e isso representa 3 a mais do que no ano anterior. O GEI avalia cinco pilares principais: liderança e pipeline de talentos, igualdade e paridade salarial entre gêneros, cultura inclusiva, políticas contra assédio sexual e marca externa.

Aqui quero ressaltar como os pilares avaliados pelo GEI estão em conformidade com os princípios propostos pelo movimento do Capitalismo Consciente e que vão perpassar desde a definição de um propósito maior pela empresa que decide trabalhar em prol de metas para equidade de gênero. A transformação da cultura de modo que ela se torne inclusiva, pois de nada adianta diversificar sem que se crie um ambiente seguro e acolhedor para as mulheres que chegam. O envolvimento dos líderes pois são eles os responsáveis por exercer a liderança inclusiva e fazer as mudanças de fato ocorrerem. E, por último, a mudança precisa acontecer em todo o ecossistema da empresa pois só assim se consegue a construção de uma marca sustentável e empregadora.

Muito embora o número de empresas com uma estrutura consolidada de DE&I no Brasil seja incipiente, como os próprios números acima mostram, sabemos que a representatividade dessas companhias funciona como modelo para as demais. E mesmo que as organizações não tenham condições de começarem tão estruturadas em termos de diversidade e inclusão, ações pontuais e contínuas podem ser feitas no sentido de se criar consciência da importância da equidade de gênero, como por exemplo:

• Elaboração de um plano de competências para a contratação de pessoas de modo a evitar que o viés de gênero interfira no momento da contratação;

• Desenvolvimento de um plano de cargos e salários igualitários, o enfoque deve ser na contribuição do profissional para a empresa e nunca no gênero;

• Desenvolvimento de parcerias com escolas e creches;

• Desenvolvimento de políticas internas que incentivem e deem suporte aos pais no acompanhamento das crianças;

• Reforço de compromissos públicos contra o machismo, o assédio e outras barreiras que limitam o crescimento das mulheres;

• Ações educativas e de letramento social que visem o combate ao machismo e aos seus desdobramentos comportamentais;

• Promoção de programas de liderança feminina;

• No Dia das Mulheres a escolha de presentes livres de vieses inconscientes, uma boa dica é livros de autoras mulheres.

E é exatamente essas sugestões que gostaria de deixar como conclusão do artigo no sentido de mostrar que mudanças são possíveis e precisam ser feitas e que mais do que chocolates e fotos merecemos ações efetivas no sentido de sermos incluídas socialmente.

*Doutora em Comunicação, Especialista em Diversidade e Inclusão com foco em Gênero, Coordenadora dos Cursos de Diversidade e Inclusão do IEC da PUC Minas e Educadora Corporativa.

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