Opinião

MG e China: um olhar para o passado para pensar o futuro

MG e China: um olhar para o passado para pensar o futuro
Crédito: REUTERS/Jason Lee

Arthur Guimarães e Thales Carvalho*

Na última década, pudemos ver ações desempenhadas pelos diferentes governos que estiveram à frente do Estado de Minas Gerais na busca pelo estreitamento dos laços com a China. O gigante asiático é o principal parceiro comercial de Minas Gerais há mais de uma década.

Em 2019, recebeu 30.8% das exportações mineiras totalizando US$ 7.7 bilhões. Foram exportados, principalmente, produtos de baixo valor agregado – commodities como minério de ferro, soja e carne bovina.

Um fator que explica esses números é a complementaridade entre as cadeias produtivas, considerando que a China é um grande consumidor de matérias-primas e Minas um grande produtor.

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No entanto, é perceptível que o Estado tem navegado por essas relações sem uma estratégia de longo prazo que lhe permita otimizar ainda mais os ganhos com essa parceria.

O entendimento das relações políticas entre Minas e a China como vemos hoje remonta a 1996, quando foi oficialmente estabelecida a relação de “província-irmã” com a região chinesa de Jiangsu.

Conforme apurado em entrevistas com Thiago Toscano, presidente da Agência de Promoção de Investimentos do Estado de Minas Gerais (Indi) e Enrique Natalino, ex-assessor de relações internacionais do ex-governador Antonio Anastasia, para além do significado simbólico, Jiangsu tem se constituído um relevante interlocutor nas relações mineiras com a China.

Outro interessante mecanismo de ação estadual que podemos observar nos últimos anos, mesmo que em poucas ocasiões, é a procura de governadores mineiros pelos chineses na busca por negócios e investimentos.

Em 2014, Antonio Anastasia esteve na China, enquanto em 2019 Romeu Zema encontrou-se, no Brasil, com cônsules e investidores chineses, de olho em novas oportunidades para o Estado.

Além disso, em 2019, o atual governo realizou o “Seminário Inovação de Comércio de Serviços China-Brasil”, no âmbito do projeto “Conexão Ásia”, que contou com representantes de 20 empresas chinesas e a presença de Zema. Uma possível visita do atual governador à China estava agendada para 2020, mas acabou adiada em meio à atual pandemia.

Um terceiro instrumento de ação utilizado pelo Estado está ligado às agências, associações e entidades comerciais. Destacamos aqui a Agência de Promoção de Investimento e Comércio Exterior de Minas Gerais. Na busca pela promoção de investimentos e do comércio exterior no Estado, a Indi tem preparado missões recorrentes de negócios à China.

Nessas oportunidades, empresários mineiros têm apresentado seus produtos, serviços e projetos a potenciais parceiros chineses, bem como aprendido cada vez mais sobre o mercado e a cultura locais. Esse contato é parte importante do processo que objetiva o acesso dessas empresas à China, que começa desde o know-how em inteligência de mercado, passando pela avaliação de riscos e oportunidades, conhecimento sobre documentações e trâmites necessários e pela mudança de mentalidade e cultura interna das mesmas.

É inegável que os esforços mineiros têm apresentado resultados. Para além do grande volume de exportações, já mencionado, há também os investimentos chineses no Estado. Em 2014, por exemplo, o grupo chinês Xuzhou Construction Machinery Group (XCMG) inaugurou sua fábrica em Pouso Alegre, após anos de negociações.

Em 2020, o XCMG tem planejado a ampliação de investimentos no estado, com o anúncio da abertura de um banco e a construção de um parque industrial como forma de expansão de sua fábrica.

Já no setor de energia, a Amerisolar Brasil, que tem como sócia a empresa chinesa Amerisolar, avança em sua instalação no aeroporto industrial de Confins para a produção de painéis de energia solar, tanto para o mercado interno quanto para exportação.

Essa instalação relaciona-se com a transformação do aeroporto de Confins em uma área industrial e hub de negócios, que ganhou força ainda durante o governo Anastasia.

É mencionável, também, o investimento de R$ 1,36 bilhão feito pela Xingu Rio Transmissora de Energia. A empresa tem como sócia a chinesa State Grid e atua na instalação de parte da linha de transmissão que liga a usina hidrelétrica de Belo Monte ao Sudeste brasileiro e passa pelo Estado.

Em 2019, foi assinado ainda um protocolo de intenções com a empresa de mineração SAM Metais, ligada ao grupo chinês Honbridge Holdings, que prevê investimentos de US$ 2.1 bilhões no Estado.

No entanto, é importante notar que não houve a implementação de um planejamento de longo prazo que permitisse que Minas Gerais adotasse uma postura mais proativa para essas relações na última década.

Segundo notado por Enrique Natalino, durante o governo Anastasia, esse processo focava, primordialmente, no papel das grandes empresas e na exportação de bens em que Minas se destacava. Thiago Toscano nota que houve mudanças nesses rumos no último governo e que, na atual administração, tenta-se ainda conciliar a busca pelos investimentos e na exportação das commodities, com a adição de outras pautas na visão internacional de Minas.

O caso da busca pela diversificação da pauta de exportações do Estado é emblemático nesse sentido, visando a um aumento no valor agregado aos produtos mineiros, como nos casos da cachaça, cafés especiais, própolis, mel e outros. Nesse cenário, o pequeno e o médio empresário têm ganhado importância.

Essa comparação entre o primeiro e o último governo da década já nos permite observar as descontinuidades, o que acaba por atrapalhar a construção de interesses de longo prazo nas relações com os chineses.

Reduz, ainda, a possibilidade de uma atuação mais proativa na proposição e construção conjunta, ao longo do tempo, de uma agenda que nos permita otimizar ainda mais os ganhos nessas relações. A ação mineira acaba por ficar refém das demandas e iniciativas trazidas pelos chineses.

Uma agenda de longo prazo permitiria ao Estado, por exemplo, incluir outros produtos à sua pauta de exportação, contribuindo para o crescimento da economia mineira.

O papel dos estados brasileiros no relacionamento com a China é extremamente – e mutuamente – importante e Minas tem atuado nesse sentido. Porém, é necessário que as ações governamentais para a China sejam baseadas em uma estratégia de longo prazo, fundamentada em meios e objetivos e que considere o potencial da economia mineira.

O caso da Amerisolar é emblemático nesse sentido: uma empresa que produz itens com maior valor agregado e se instalou em Minas, auxiliada por um projeto de longo prazo, o aeroporto industrial.

O atual contexto nos dá a oportunidade de refletir sobre o passado para agirmos de forma concreta e planejar um futuro bem-sucedido. Cabe a todos – governo, empresas e população – construírem juntos esse caminho para a próxima década.

*Mestre em Negócios Internacionais pela Antai College of Economics and Management em Shanghai, Gerente-Geral da Câmara Chinesa de Comércio em Shanghai / Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais

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