Navegar é preciso…

TILDEN SANTIAGO *
A nação vive problemas agudos, com riscos graves de deterioração do tecido social, político, econômico, cultural, psíquico e espiritual, que faz a grandeza do Brasil como sociedade: desemprego de milhões, pobreza desenfreada, falta de investimentos, incertezas da economia, expansão da violência nas periferias e no campo e da corrupção crônica dos políticos, massacres nos presídios, fortalecimento do crime organizado, desconfiança dos investidores estrangeiros, Previdência falida, incapacidade de por em prática uma eficaz reforma fiscal, crescimento das diferenças entre ricos e pobres, lideranças nacionais com apenas 30% de apoio, inexistência de uma figura nacional de estadista capaz de ser ouvido e falar para todos os brasileiros, como aconteceu com o saudoso Tancredo Neves, no fim da ditadura.
Já existe até brasileiro prestigiado na praça afirmando que a escravidão ajudou o desenvolvimento dos negros. Mas essa “praça” não é a nossa. Quer tragédia maior do que a que acaba de acontecer em Paraisópolis (São Paulo), nos identificando como país da violência e da bala, fora do processo civilizatório.
A gente só entende bem uma crise quando se vislumbra uma saída da mesma, lembrava o velho Marx. Mas a atual é tão profunda que nela não se consegue imaginar uma luz no fim do túnel.
Os cidadãos costumam atribuir aos três poderes constituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário – e aos partidos políticos, a responsabilidade pela superação das crises cíclicas, que se sucedem no modo de produção capitalista. A sociedade civil não pode se eximir de acionar as instituições, que reúnem empresários e trabalhadores, na busca de soluções. Mas as instituições responsáveis, em primeiro lugar, para analisar a crise e solucioná-la, são aquelas que incorporam o poder de Estado ou riqueza teórica da política que emerge a partir das urnas.
Hoje a sociedade civil está frustrada com partidos e políticos, mais preocupados consigo mesmos do que com o Brasil. O que conta para cada um deles não é uma correta análise da conjuntura e um remédio eficaz para superar seus males. O partido político quer é aproveitar da crise para incorporar uma posição hegemônica, partidária, no centro, na direita ou na esquerda e sair como o vitorioso condutor da sociedade. Mas o que conta, em primeiro lugar, é ele, o partido!
Nossos homens públicos, no impasse em que estamos inseridos, deveriam adotar um pensamento abnegado e uma prática que era a força motriz dos grandes navegadores: “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Ulysses Guimarães foi buscar em Fernando Pessoa essa inspiração sublime, que fez dele o grande estadista na luta contra a ditadura e na jornada constituinte, após a Anistia.
Partidos políticos e poderes constituídos já não inspiram a mesma credibilidade de outros tempos. Que se cuidem com o possível advento das multidões, em manifestações rebeldes a exemplo de Santiago, Quito, La Paz, Lima, Venezuela, França, Hong-kong, Turquia, Iraque e Síria.
*Jornalista, embaixador e sacerdote anglicano
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