Opinião

No turismo, os detalhes devoram os atrativos

No turismo, os detalhes devoram os atrativos
Crédito: Pedro Vilela / Agencia i7

O minério é a matéria-prima do ferro. E os atrativos são a matéria-prima do turismo. Precisamos de um alto-forno para produzir o ferro. Igualmente, não bastam os atrativos para produzir turismo. Sua “manufatura” é fruto de uma receita complicada. Pior, fracassa se não receber os ingredientes apropriados.

Não é possível explorar o potencial do turismo sem políticas inteligentes, realistas e, de fato, executadas. Isso é o que se sabe e não há como discordar.

Igualmente, se não há atrativos no local, naturais ou construídos, nada de turistas. A proposta mais grandiloquente morre na praia. Bem-aventurados os lugares atraentes!

Mas não basta. O turismo se materializa no cotidiano, convivendo o visitante com acertos e falhas ao longo do dia. É aí que os detalhes devoram os planos mais soberbos. Atrativos fabulosos são sabotados por arestas que incomodam os viajantes. Pequenos senões põem a perder os encantos.

Vejamos uma experiência concreta em que esse escriba virou turista, visitando Catas Altas. Lá, a natureza teve a ajuda prestimosa de Deus e o ouro dos riachos deu a sua contribuição. Ou seja, uma boa combinação entre atrativos naturais e um barroco exaltado e de qualidade. O que mais precisaria um local?

Nota-se um certo esforço de apresentar bem a cidade. Quando nada, está limpa. O patrimônio barroco é valioso. Além da matriz, há três capelas belíssimas, todas impecavelmente restauradas. Na praça da igreja, há um centro histórico bem preservado. Espalhadas pela cidade, encontramos também casas coloniais de boa estirpe.

Os restaurantes surpreendem. São vários e de certa sofisticação na gastronomia. Provamos duas cervejas locais, uma ótima, outra ruinzinha. As pousadas, se não são luxuosas, são simpáticas.

Do lado da natureza, a cidade está no pé do imponente Caraça. Apenas para contemplar o seu volume majestoso já justificaria a viagem. Há também umas tantas cachoeiras. Umas perto, outras longe. Todas charmosas ou esplêndidas. Vale visitar o Bicame, o aqueduto que abastecia a cidade.

Foi o que deu para ver em um dia e meio. Deve haver mais para ver. Por exemplo, Catas Altas é o ponto de partida para uma ascensão a pé, de 1.050 metros, até o topo do Caraça

Como diria o Guide Michelin, vaux le Voyage.

Mas esta lista de virtudes turísticas é maculada por detalhes injustificáveis. Ao entrar na cidade, não há placas indicando o Centro Histórico, a mais óbvia atração da cidade. Não há explicações sobre os pontos de interesse e nem guias. Mapas competentes seria pedir demais. E como a internet é ruim, voltamos com o que já sabíamos antes da visita.

A igreja matriz é uma bela surpresa. Como é possível tanto luxo, tanto ouro em uma cidade de cinco mil almas? Mostra um barroco clássico, maduro e bem executado. Há uma curiosidade para os visitantes. Antes de terminada a igreja, terminou o ouro. Sendo assim, há partes da igreja douradas, partes com o gesso sobre o qual o metal seria aplicado e outras na madeira nua. E para dar o cachê final, o altar-mor é atribuído a ninguém menos do que ao Aleijadinho. Quantas construções barrocas podem se vangloriar de tal assinatura? Segundo Germain Bazin, ex-curador do Louvre e especialista em barroco, “Aleijadinho foi o último gênio do barroco, em todo o mundo”.

Sim, mas como ficar sabendo que na igreja há proezas do Aleijadinho? E como visitar a igreja? Pelo que nos explicaram, sem muita segurança, abriria oito da noite, para a missa.  Tivemos sorte, pois preparava-se um casamento e pudemos entrar. Menos ventura nos esperava nas capelas. Em uma delas, morreu a senhora que a abria para os visitantes. O viúvo não vê razão alguma para fazer o mesmo, segundo nos disse. E não mostrou. Igualmente trancadas estavam as outras.

Os caminhos para as cachoeiras têm algumas placas indicativas. Mas não são suficientes. Ou seja, nada feito sem guia. As trilhas não estavam imundas, mas tampouco imaculadas. Latas de lixo? Nem uma só. Problemas fáceis de resolver.

Em um belo local de piquenique, a família se divertia no rio, mas os decibéis da música estragavam o deleite de quem prefere ouvir o canto dos sabiás – sempre presentes. Na volta, caminhando pela trilha, vimos de que escapamos, se fôssemos mais tarde. Encabeçando a fila de jovens, uma moçoila trazia à cabeça um alto-falante, maior do que uma mala regular. E dali saia um ruído algo grotesco, supostamente considerado como música.

Deus foi generoso na natureza. Parte do ouro extraído se materializou em magníficas igrejas e capelas. Aleijadinho deu seu toque mágico. O que faltaria para ser um privilegiado destino turístico? Simples, apenas eliminar bobagens, enganos, equívocos, burrices. Tudo baratinho ou de graça. Por que isso não acontece? Aqui, voltamos ao dito sobre planejamento turístico. Como esperar que a população local cuide desses detalhes se ninguém ensinou o que é preciso fazer e como fazer?

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