Opinião

Novembro: que consciência temos construído para além da data?

Novembro: que consciência temos construído para além da data?

Novembro tem sido o mês para olharmos de maneira mais consciente para as questões da negritude no Brasil. Pergunto: que consciência temos construído para além da data?

Investir, mensurar e avaliar êxitos, no âmbito da política pública ou da iniciativa privada, requer um conjunto de estratégias que a tecnologia e as ciências de dados suprem de maneira inovadora e com sofisticação. Ler a partir de dados tem sido a realidade mais comum em nossa nova sociedade digital, seja no registro de nossa autodeterminação ou nos fluxos que produzimos, que deixam explícitas nossa pegada no mundo.

Há algum tempo, os dados sobre raça e a ausência de equidade racial são parte das informações em artigos, posts, infográficos, palestras, painéis… A informação tem estado mais presente e frequente. Celebramos o avanço, afinal, é também na produção e publicação de dados que conseguimos olhar para o espelho e nos compreendermos como protagonistas para as transformações que tanto almejamos. É como se pudéssemos nos compreender diante de nós mesmos e em conexão com o mundo. Uma chamada à responsabilidade com o individual e o coletivo. Contudo, na transição entre os dados e os pés fincados na realidade, como tem sido o exercício de se colocar em prática aquilo que tem se formado em nossa consciência?

A observação dos dados censitários ao longo dos tempos nos aponta sobre como a formação de uma consciência histórica, cultural e a implantação de políticas públicas vão transformando as percepções da sociedade. Entre 1872-1910, o censo refletiu as concepções populares e das elites sobre a composição racial brasileira; entre 1920-50, promoveu e reportou o branqueamento da população nacional (Nobles, 2000). Hoje, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2021 indicam que na soma de pretos (9,1%) e pardos (47%), há um total de 56,1% de pessoas negras no Brasil, brancos são 43% e a soma entre indígenas e amarelos, 0,9%.

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Em pouco mais de 100 anos temos sido mais conscientes de nossa negritude. É um processo de construção de subjetividades, reconhecimento das próprias histórias, consciência política, social, educacional, de direitos e de formação de pensamento crítico, tudo isso percorrido em conjunto. Temos nos tornado uma população majoritariamente negra, entretanto, outros dados nos dizem sobre uma população alijada de todas as possibilidades relacionadas ao bem viver.

Vejamos:

● Em 2019, de acordo com os dados organizados pela ONG Todos pela Educação,  65,1% dos jovens pretos e 66,7% dos pardos e 79,2% dos jovens brancos frequentavam o Ensino Médio. Ao final do ciclo do ensino médio, 58,3% dos jovens pretos e 59,7% dos pardos, contra 75% dos jovens brancos ainda estavam na escola.

● De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019, a população negra recebia em média R$ 1 mil a menos do que a média geral do país. Em relação à população branca, o valor também chegava a quase R$ 1 mil e em relação à população amarela, esse valor chegou a quase R$ 2 mil. Quando o nível de escolaridade é inserido, as diferenças de remuneração dos pretos e pardos em relação aos amarelos e brancos giram em torno de R$ 4 mil e R$ 2 mil, respectivamente.

● Das 500 maiores empresas do Brasil, apenas 4,7% têm pessoas negras nos cargos de liderança. Fonte: Instituto Ethos 2021.

O uso das ciências de dados produz uma fotografia social, econômica, educacional, política e cultural sobre a realidade brasileira – ou seja, a informação já possuímos. Do meio ambiente à cultura, da educação ao mercado de trabalho, há um imenso desafio, e olhar para a parcela da população, que é majoritariamente negra, deixou de ser preocupação segundo plano ou lugar de disputa. Dessa forma, as transformações necessárias, a partir da representatividade em consonância com a proporcionalidade, são urgentes, e as instituições que escolheram percursos que dialogam com a equidade são primordiais para a aceleração em direção à uma sociedade mais justa. A sociedade atual já não comporta a hierarquia de saberes. Para se tornar sustentável, ela necessita do trabalho conjunto e em comunidade. As instituições podem e devem trilhar percursos a partir de aprendizados que se desenvolvem em diversidade e multiplicidade – afinal, saberes sempre serão complementares e promoverão riqueza e bem-estar de maneira mais equilibrada.

Contudo, refaço a pergunta do título: Novembro, que consciência temos construído para além dos dados?

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