O avanço das universidades públicas

Nair Costa Muls e Adelaide M. C. Baeta *
Voltando à questão das universidades públicas e sua inquestionável importância no que se refere não só ao ensino e à formação de profissionais, mas também à pesquisa e à extensão, há muito a comemorar. Nas últimas décadas, uma nova faceta da produção de conhecimento nas universidades se volta para a busca de soluções de problemas que afetam a qualidade de vida da sociedade. Nessa nova perspectiva tem lugar o que se conceitua como o empreendedorismo acadêmico. Uma universidade empreendedora é tida como aquela que busca ampliar os horizontes do conhecimento se empenhando em pesquisas que, em qualquer campo do conhecimento científico, possam resolver os problemas contemporâneos cada vez mais complexos e de diferentes ordens e tenham maior impacto social. A infraestrutura para a pesquisa e para a extensão, a inovação, a internacionalização do conhecimento e dos resultados, a cultura empreendedora são os seus alicerces básicos.
Nesse sentido, queremos destacar o esforço da UFMG na busca de soluções de problemas ligados diretamente à saúde e ao bem-estar dos indivíduos e a sua aproximação do setor produtivo. O Centro de Microscopia da UFMG, por exemplo, é uma referência não só para pesquisadores como para empresas. Seus equipamentos são capazes de gerar imagens de alta resolução, por mínimo que seja o tamanho do material a ser analisado. Nesse contexto, uma notícia alvissareira: aumenta cada vez mais o número de pesquisadores e de empresas que utilizam os microscópios eletrônicos do Centro para avançar no conhecimento ou para melhorar os seus processos produtivos, e, naturalmente, tornar os seus produtos mais eficazes e de maior qualidade.
Esse Centro foi fundado nos anos 2000, como resultado do esforço de diversos grupos de pesquisadores da UFMG, usuários da microscopia eletrônica, com o objetivo de montar uma infraestrutura em microscopia e microanálise capaz de promover e dar sustentação ao avanço do conhecimento na área. Multidisciplinar, reúne toda uma gama de especialistas: biólogos, farmacêuticos, veterinários, físicos, químicos, engenheiros e geólogos, entre outros. Conta hoje com mais de 500 pesquisadores, 900 alunos de instituições de todo o País e mais de 50 empresas das áreas de mineração, metalurgia, siderurgia e indústrias do setor de microeletrônica, de desenvolvimento de tecnologia, de transformação de bens de consumo, hospitais e laboratórios de análises. Possui uma infraestrutura de excelência em microscopia e microanálise em várias possibilidades: microscopia eletrônica de varredura e de transmissão, de feixe iônico, microscopia de varredura por sonda, de fluorescência, microanálise por fluorescência de raios X e por perda de energia de elétrons. Integra o Sistema Nacional de Laboratórios em nanotecnologia (Sisnano) e se notabiliza por sua liderança na organização da Rede de Microscopia e Microanálise de MG; cadastrado na Fapemig desde 2013, congrega 11 instituições de ensino/pesquisa no Estado.
Um de seus estudos mais interessantes talvez seja aquele que deu origem à produção do grafeno. Como se sabe, o grafeno é uma matéria-prima importante na fabricação de chips e baterias mais rápidas. E é bom frisar que, além de ter sido o primeiro grafeno fabricado no Brasil, foi produzido no campus da UFMG (realização da empresa MGgrafeno). Cite-se também as pesquisas que possibilitam a produção de bens e materiais mais duráveis, como tijolos mais resistentes e menos poluidores; ou ainda as pesquisas sobre a existência de metais preciosos no solo, determinando de maneira precisa o mineral, a quantidade e o local exato onde se encontra; ou a produção de imagens precisas de determinados vírus, por exemplo, o tupanvirus, cuja imagem resultante de estudos do Centro foi reproduzida pela revista Nature, uma das principais publicações científicas do mundo. Ou ainda as pesquisas sobre doenças bovinas ou sobre o armazenamento de energia em turbinas hidráulicas. As áreas são inúmeras e variadas.
Em outro campo, as Ciências Biológicas também conseguiram um tento: criou um aparelho, a Mosquitrap, armadilha que, pela cor e cheiro, atrai o mosquito transmissor do vírus da dengue, da zika e da chikungunya e febre amarela, o Aedes aegypti, conseguindo-se, assim, o monitoramento inteligente de epidemias, pois o aparelho possibilita, inclusive, um resultado especial: a análise do vírus (quantidade, espécie e sexo dos mosquitos) e a localização dos focos infectados. Esse processo foi o resultado do trabalho de professores, de estudantes de doutorado, de mestrado e de iniciação científica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. E mais, essa pesquisa deu origem à empresa Ecovec, adquirida recentemente pelo grupo Multinacional Rentokil, líder mundial em controle de pragas e presente em 86 países. Portanto, um produto da UFMG que alcança o mundo e ajuda a salvar vidas e reduzir o número dessa doença que, às vezes, chega a ser fatal.
Com esse novo caminho, a UFMG passa a ser a instituição federal de ensino superior com o maior número de depósito de patentes; também ganha maior visibilidade no ranking das Universidades Empreendedoras-2019, realizado pela Brasil Jr-Confederação de Empresas Juniors do Brasil: a UFMG ocupa o terceiro lugar (a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de SP e a USP estão em 1º lugar e a Unicamp, em 2º).
Dessa forma, as universidades públicas empreendem uma mudança no seu papel: se antes se preocupavam especialmente com a formação da força de trabalho para os diferentes setores produtivos (primário, secundário e terciário) e para o setor público, hoje se esforçam no desenvolvimento de pesquisas voltadas também para a solução dos problemas da sociedade, para a inovação tecnológica e para a transferência de conhecimentos para os diferentes setores acima citados, desenvolvendo, inclusive, mecanismos de comercialização da propriedade intelectual proveniente das pesquisas. Conta com a infraestrutura necessária para tais propósitos: as CTIT – Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica, que gerenciam os processos de patenteamento dos resultados alcançados pelas pesquisas e a transferência de conhecimento e tecnologia para a sociedade, em forma de novos produtos, processos e serviços. A CTIT/UFMG foi criada em 1996, hoje vinculada ao gabinete da Reitoria e com forte interação com Fundep – Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa). Nesse ínterim ─ 1996/2019 ─ o número de depósitos de patentes acadêmicas da UFMG chegou a 1.051, com 670 notificações de invenção, 58 registros de software, 106 contratos de licenciamento e 113 acordos de parceria, que geraram R$ 6,3milhões em comercialização de propriedade intelectual, revelando o crescimento das pesquisas, sobretudo nas áreas da Biotecnologia, Engenharias, Farmácia e Química e também em Tecnologias Ambientais e Energia. Esses dados (ver site UFMG sobre patentes) revelam a importância dada a esse novo campo de estudos pela UFMG e seus pesquisadores e a importância do papel das universidades públicas no avanço do conhecimento científico e sua aplicação direta para o bem estar da sociedade, através da criação de novos produtos, processos e ou serviços.
* Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich / Doutora em Engenharia da Produção, professora aposentada da UFMG/Face, atualmente pesquisadora do Mestrado em Biotecnologia e Gestão da Inovação do Centro Universitário de Sete Lagoas-Unifemmm
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