Opinião

O centenário do Mestre

Cesar Vanucci*

“Avançar sempre em direção do futuro.” (Da homilia de Juvenal Arduini, na missa de seus 90 anos de vida)

Agora, em 28 de novembro, se ainda entre nós, Juvenal Arduini estaria completando 100 anos. Tendo “partido primeiro” em 2012, foi cidadão empenhado, com seu verbo eletrizante, a propagar a mensagem social evangélica na peregrinação pela pátria terrena.

Executou a missão em momentos da história inundados de contundências sociais e de atordoantes, muitas vezes irrelevantes e improdutivas, narrativas políticas vividas com intensidade pelas pessoas. Este grande sacerdote, escritor, professor, sociólogo, foi mestre querido de muita gente, em mais de uma geração. Quando de seu 90º aniversário natalício, que coincidiu com seus 67 anos de atividade religiosa, registrei a efeméride com as palavras alinhadas na sequência, em sinal de carinhosa gratidão, como modesto discípulo, ao mestre que soube colocar a cátedra a serviço dos valores que conferem dignidade à aventura humana.

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O que então falei retrata singelamente uma vida magistral. Os conceitos expendidos conservam-se atuais na reverência devida ao saudoso personagem.

Essas criaturas admiráveis, dotadas de sabedoria incomum, que colocam os talentos do espírito a serviço do mundo, aqui e agora! Como são importantes na construção humana de todos os dias! Comunicam da vida a essência. Interpretam os sinais. Olham as estrelas e dão rumo ao navio. Trabalham os melhores impulsos das pessoas. Despertam e realimentam esperanças. Iluminam com jatos de claridade, despejados da mente e do coração, os caminhos a percorrer, sobretudo quando se mostrem trevosos e arriscados em função da intolerância, do desamor, da injustiça e da fanatice rancorosa.

Há quem, embora aquinhoado de dons especiais, não saiba ou não queira deles fazer uso adequado. Se, por acaso, lhe bate uma ideia generosa, de proveito social, estaca diante das conveniências do jogo mundano, dos interesses clandestinos. E a ideia, condenada ao enclausuramento, não ganha força em palavras, muito menos em ações. São desertores da causa social. Aplicam mal os talentos. Acumulam débitos na contabilidade da história. Deixam a bola rolar sem assumir compromisso com as apostas da vida.

Já este nosso Juvenal está inteiríssimo na postura assumida, com a qual procura refletir a natureza das coisas. Dono de inteligência invulgar, própria dos iluminados, oferece-nos nessa celebração de idade um documentário vivo do emprego pertinente e fecundo dos talentos dados por Deus. Pelo vigor das ideias e disposições interiores, pela juventude de espírito, passa a saborosa sensação de que está completando, não 90 anos, mas 30 anos pela terceira vez consecutiva.

Trata-se de uma lenda viva como personagem de substanciosos capítulos na história da construção humana. Todos sabem disso. Gente de dentro e de fora da Igreja. Gente que compartilha dos conceitos e concepções que defende. E até mesmo gente que se contrapõe a esses conceitos, mas que não consegue se desvencilhar do fascínio de seu verbo e do reconhecimento da universalidade de sua pregação.

Teve e continua tendo participação em eventos decisivos ligados à expansão da consciência e conquistas sociais. Em momentos difíceis, quando valiosos ideais de vida eram colocados sob ameaça, seu desassombro, autoridade intelectual e moral e serena avaliação dos acontecimentos representaram para muitos uma âncora firme, um abrigo e um acalento. É inevitável a recordação, sem intuitos de atingir personagens menores, à época encastelados em poderosos bastiões do farisaísmo emborcado na contramão da história, da presença marcante de Arduini nas batalhas pelos direitos civis, alvejados impiedosamente nos chamados anos de chumbo. Ele travou essas batalhas no púlpito, em livros, em salas de aula, conferências e discursos de formatura. Deixou à mostra, o tempo todo, guarnecido de fé e esperança, inabaláveis crenças no superior destino do homem, desenhado nos desígnios de Deus. Fê-lo com altivez num cenário povoado, na época, por extremismos políticos e religiosos, exasperante insensibilidade social, injustiças e incompreensões, tomadas como referência a cidade de Uberaba e outras cidades na região do Triângulo Mineiro.

Gerações inteiras guardam, com ternura, as imagens de sua presença cintilante nas pregações da missa dos universitários. De sua indormida atuação espiritual num santuário conhecido por Hospital São Domingos, dedicado à celebração perene da vida, fundado, mantido e administrado pelas fabulosas Irmãs Dominicanas.

No livro “Hermenêutica – história e futuro”, um outro suculento e precioso fruto de seu talento criativo como pensador de escol, que contempla a vida como refulgente aventura poética, ele nos repassa lances portentosos do trabalho desenvolvido pelas dominicanas no “São Domingos”. Fala da “essência borbulhante do fenômeno hospitalar”, do “espaço de esperança”, da “moradia de acolhimento” e da germinação cultural para o bem da verdade que emana da instituição.

Em suma, a história localiza Arduini empenhado em monumental trabalho de conscientização social. Fiel à doutrina social da Igreja, comprometido com o amanhã da vida, sintonizado com pensadores vigorosos do porte de Teilhard de Chardin, nosso “jovem mestre” não tem feito outra coisa, em vasta quilometragem apostólica, medida em anos-luz, do que ensinar que a salvação do homem não vem dos extremos ideológicos, nem das lateralidades geográficas. Vem do Alto.

* Jornalista ([email protected])

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