O Corvo (XX)

MARCO GUIMARÃES *
Ao verificar o bilhete de Virgínia, o funcionário da SNCF, à porta de entrada do trem, apontou com o dedo indicador um assento à direita, junto à janela. Depois de guardar a pequena bagagem de mão, acomodou-se, pegou a revista que havia comprado na livraria da gare, fez um gesto para abri-la, mas parou quando o trem, vagarosamente, começou a deixar a estação.
Começou, então, a prestar atenção nos carregadores de malas ainda presentes na plataforma de embarque; à medida que o trem ganhava velocidade, eles passavam, um a um, cada vez mais rápido pelos seus olhos.
Por um breve momento, ela comparou aquelas imagens, que a velocidade do trem sequestrava de seus olhos, às etapas de sua vida. Viu passar sua infância, sua juventude e, por fim, o seu casamento, que acabara de deixar para trás.
O que viria depois? O medo de se separar de Maurel aparentemente a tinha deixado. A percepção do real, antes obscurecida pelas falsas ideias de envelhecer sozinha, e que tinham se tornado quase uma neurose, agora se normalizara. O futuro já não a amedrontava.
Quando sua janela começou a mostrar os velhos prédios dos subúrbios de Paris, fechou a persiana e se voltou para a revista que tinha em mãos. Ela não era de ler revistas, muito menos revistas daquele tipo. Se perguntasse a si mesma por que, então, havia comprado uma revista que não fazia seu gênero, em vez de ter adquirido um livro, diria:
— Ah, tudo que quero agora é pousar meus olhos nas futilidades expressas nessas entrevistas.
— Quem diabos são essas pessoas? — disse em voz alta, olhando para o assento vazio ao seu lado, como se esperasse dele uma resposta. Ela não reconhecera nenhuma das celebridades. Nenhum artista de televisão, nenhum modelo, nada, ninguém lhe era familiar. Devo estar mesmo muito desatualizada, continuou, agora falando para si mesma. Em seguida, deixou de lado a revista, esticou as pernas, reclinou o assento, fechou os olhos. Em mais alguns minutos, dormiria, e só acordaria cinco minutos antes de chegar a seu destino, a Gare de Dijon.
Tão logo saltara do trem, Virgínia pegou o celular na bolsa. Iria avisar Annick que já estava na estação e que não se preocupasse, pois tomaria um táxi. Na noite anterior, recebera da amiga um SMS pedindo-lhe que avisasse o horário de sua chegada, e dizendo que a esperaria na estação. Contudo, não conseguira comunicar-se com ela, pois seu telefone estava sem linha.
— Bem, deixa pra lá, tenho o endereço aqui comigo. Na certa ela estará me esperando — pensou ela. Dirigiu-se ao ponto de táxi, disse o endereço ao motorista e seguiram em direção a Fixin. No caminho, o motorista começou a conversar com ela, contando didaticamente a história da cidade, fazendo com uma das mãos gestos teatrais que invadiam metade da parte dianteira do carro. Ela, como interlocutora, guardava um atencioso silêncio, interrompido quando ele lhe perguntou seu nome.
— Me chamo Virgínia, sou de Paris, mas vou morar em Fixin. No momento, estou indo à casa de minha amiga Annick.
— Bem, Sra. Annick…
— Não, não me chamo Annick. O Sr. trocou os nomes. Eu me chamo Virgínia, a minha amiga que mora aqui é que se chama Annick.
— Desculpe-me, Sra. Virgínia. Fixin é uma pequena vila com poucos habitantes. A Sra. sabe disso, não?
— Sim, já estive lá algumas vezes.
— Bem, se quiser mais movimento, pode ir a Dijon.
Quando chegam ao destino, o motorista oferece o seu cartão, dizendo que, se ela quisesse fazer um tour pela região, ele estaria a seu dispor.
*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”.
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