Opinião

O Corvo (XXIX)

O Corvo (XXIX)
Crédito: Divulgação

Marco Guimarães *

— Vejo que Annick transformou o antigo quarto em escritório — disse Virgínia.
— Você insiste, hein, moça — disse ele, abrindo a primeira gaveta da escrivaninha.

Em seguida, retira de lá um álbum de fotografias e lhe mostra fotos tiradas ao longo dos anos. Selecionou as imagens em que ele figurava na frente da casa, nos cômodos e na varanda. A prova era incontestável. Perguntou a Virgínia se ela estava satisfeita com o que vira; se finalmente se convencera de que aquela casa não era de Annick.

Ainda que as evidências apontassem para confirmar o que lhe dizia Paul, ela tentou esboçar uma resistência, querendo negar os fatos; mas logo se deu por vencida.

— Mas como? Só posso estar sonhando, ou melhor, tendo um pesadelo.
— Lamento dizer, senhora, que o seu estado de vigília é mais claro que a mais clara das águas cristalinas. Mas, como lhe disse, a Sra. parece uma pessoa muito distinta. O meu instinto de juiz me diz que a Sra. acredita, ou pelo menos acreditava, estar mesmo na casa de sua amiga Annick.
— Já não sei mais o que dizer, Sr. Paul.
— Vamos tirar o senhor da frente, ok? Você disse que o seu marido, ou ex-marido, era da polícia, não foi?
— Sim, ele trabalha no distrito policial do Quartier Latin.
— E como se chama?
— Maurel, capitão Maurice Maurel.
— Telefonarei para Paris e tentarei pô-la em contato com o Maurel. Espere um momento.

Um policial do distrito policial do 5º arrondisement de Paris atende o telefone. Do outro lado da linha, o juiz Paul Benoit se identifica e pergunta pelo capitão Maurel.

— Desculpe-me, meritíssimo, mas aqui não há nenhum capitão Maurel. Estou há vinte anos na força policial, passei por distritos de vários arrondissements e nunca ouvi falar desse capitão.

Depois de agradecer ao policial, Paul desliga, olha para Virgínia e diz: — Não existe nenhum capitão Maurel na polícia de Paris.

— Não é possível. Ele é muito conhecido, sobretudo agora, que responde pelas investigações do sequestro da menina Aline, fato conhecido em toda a França.
— Sequestro da menina Aline?
— É isso mesmo. Ela e a sequestradora desapareceram misteriosamente quando subiam as escadas que ligam a Rue Pascal ao Boulevard Port Royal. A imprensa de todo o país não faz outra coisa se não noticiar o tal desaparecimento.
— Sra. Virgínia, ah, desculpe-me, Virgínia, eu quero acreditar na sua história, mas nada do que você me diz se confirma. De qualquer modo, você me dará o nome completo de sua amiga Annick e eu pedirei que a
identifiquem no nosso sistema.

Virgínia abre a bolsa, pega uma caneta, pede autorização a Paul para pegar o pedaço de papel em cima da escrivaninha e escreve: Annick Delardié. Em seguida, entrega o que escrevera a ele e diz: — Espero que esse mal-entendido se desfaça.

*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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