O Corvo (XXX)

Marco Guimarães *
Natalie sabia que a chave para o mistério do desaparecimento do seu chefe, da ex-mulher dele, da menina Aline e de sua sequestradora estava na própria Rue Pascal. Os mais céticos poderiam dizer que seria uma mera coincidência os desaparecidos terem sido vistos pela última vez descendo aquela rua. Afinal, poderiam justificar os seus raciocínios afirmando que cada um dos desaparecidos, após ter saído do campo de visão da câmera do hotel, poderia ter tomado, a partir dali, caminhos diferentes, já que havia várias ruas desembocando na Rue Pascal.
Em um primeiro momento, Natalie decidiu eliminar a possibilidade de que os desaparecidos tivessem subido as escadas para ir ao Boulevard Port Royal — pelo menos com relação à menina, sua sequestradora e à ex-mulher do capitão. Se tivessem ido até o Boulevard Port Royal, a menina sequestrada e sua sequestradora teriam encontrado o carro que as esperava para as levar até a Borgonha; já a ex-mulher do capitão provavelmente teria ido até o Boulevard Port Royal para pegar o ônibus 91 e ir até a Gare de Lyon, exatamente como dissera que o faria, segundo o relato da amiga Annick. Não podia dizer o mesmo com relação ao capitão Maurel; até o momento, nada poderia atestar que ele teria subido as escadas e tomado a direção do Boulevard Port Royal, mas também não havia nada que a
autorizasse a pensar o contrário.
Resolveu concentrar a investigação nas imagens dos desaparecimentos do capitão e do corvo. Pediu que Pierre, o policial que a auxiliava, solicitasse uma nova análise das filmagens feitas pelas câmeras do hotel. Ela queria que medissem o campo de visão da câmera. Esperava com isso que eles conseguissem calcular, através das idas e vindas do corvo, a sua velocidade. Talvez pudessem, então, estimar o ponto de sua partida em direção ao hotel.
Em seguida, pegou o telefone para ligar para Annick. Queria saber se Virgínia dera notícia.
— Ainda não, tenente Natalie, não preciso dizer que estou muito preocupada. A Sra. já falou com o Maurel? Pode ser que ele saiba de alguma coisa.
— Não, ainda não consegui falar com o Maurel.
— Pensei que ele trabalhasse aí com vocês.
— E trabalha; mas vou lhe confidenciar uma coisa, conto com a sua discrição. O Maurel também desapareceu.
— Ah, meu Deus. Será que há alguma relação entre os dois desaparecimentos?
— Não, desapareceram em dias diferentes.
— Acho que irei a Paris, talvez possa ajudar em alguma coisa.
— Talvez seja melhor ficar aí, pelo menos por mais alguns dias, Sra. Annick. Tenho a impressão de que ela não aparecerá por aí, mas quem sabe? Talvez tenha conhecido alguém; uma paixão arrebatadora…
— Não acredito, tenente Natalie; conheço bem a minha amiga. Acredito que, inicialmente, os problemas com o casamento a tenham levado a um certo desespero, por não saber que atitude tomar; mas ultimamente ela dava mostras de que começava a gerenciar melhor a situação e entendeu que o mais sensato seria se separar do Maurel. O que quero dizer é que a situação de fragilidade em que se encontrava, face a todas as incertezas, estava desaparecendo. Seu estado de vulnerabilidade já a estava deixando.
— Você está certa. Enquanto frágeis, podemos cometer os mais desvairados atos.
— Pois é; lembro-me de uma amiga que viajou para uma praia no Brasil com o marido. Ele se revelou um grosseirão e, depois de uma discussão, a deixou, abandonada em um lugar ermo. Aos prantos, ela conseguiu chegar ao hotel e, em vez de ir ao seu quarto, bateu à porta de um estranho e pediu para entrar. Ainda soluçando, contou o que tinha ocorrido. Resumindo: ela acabou dormindo com ele!
— E se Virgínia…
— Desculpe interrompê-la, eu sei o que a Sra. iria falar. Posso lhe garantir que ela não teria razões para querer magoar o Maurel. Ele sempre foi muito gentil com ela e também estava sofrendo com a separação.
*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”
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