O Corvo (XXXIII)

Marco Guimarães *
Pierre, o policial que auxiliava a tenente Natalie, entra no distrito com um envelope nas mãos. Olha para a sala de sua superior e, quando nota que ela não está, dirige-se a um colega e pergunta se sabe o seu destino. Diante da negativa, pega o celular e lhe telefona.
— Tenente Natalie, bom-dia.
— Bom-dia, Pierre — responde ela, não lhe dando tempo de se anunciar.
— Estou com o resultado das análises das imagens das idas e vindas do corvo.
— Estou na Café Saint Medard, daqui a pouco estarei aí.
Segundo seu instinto, o segredo para os desaparecimentos poderia estar na Rue Pascal. Não tinha muitos dados para confirmar a teoria, por isso pedira que o laboratório examinasse com rigor o trajeto de um corvo, que fora filmado pela câmera do hotel descendo e subindo a rua. Chamara-lhe a atenção o fato de que, no momento em que a câmera registrou o capitão Maurel descendo a rua, a ave o tivesse acompanhado. Depois disso, o corvo deixara de fazer os voos de ida e vinda em direção ao hotel e nunca mais fora visto. Para ela, a ave havia desaparecido junto com o capitão.
A física e a matemática nunca foram o seu forte, mas, pelo pouco que conhecia do assunto, imaginava que a velocidade do corvo pudesse ser medida. Ela sabia que havia possibilidade de erro, caso a velocidade do corvo não se mantivesse constante, mas preferia não contar com essa imprevisibilidade.
A tenente já se preparava para deixar o café quando cruzou com Isabelle, amiga de Virgínia. Já haviam se falado em diversas ocasiões, por conta de algumas reuniões na casa do Maurel e, dias atrás, quando ela pedira informações sobre a estadia de Virgínia em sua casa.
— Bom-dia, Natalie, você por aqui?
— Bom-dia, Isabelle. Às vezes passávamos aqui, o capitão e eu, para tomar um café e conversar com o pessoal; ouvir as conversas de alguns clientes fiéis nos distraía um pouco.
— Também gosto muito daqui. Você tem alguma notícia sobre o paradeiro da Virgínia?
— Lamentavelmente ainda não, assim que houver qualquer fato novo, avisarei você e Annick.
Em seguida, Natalie se despediu, dizendo que o seu auxiliar a esperava para avançarem com as investigações.
Assim que chegou ao distrito policial e recuperou com Pierre o envelope com as análises feitas pelo laboratório, trancou-se em sua sala e começou a ler o relatório, que, além do próprio texto, tinha sido enriquecido com imagens e gráficos. Inicialmente, viu que o seu raciocínio de cálculo, ainda que simples, estava correto. O pessoal do laboratório havia conseguido, por meio da velocidade do corvo e dos cálculos subsequentes, determinar o local provável de partida do corvo ao voar pela Rue Pascal em direção ao hotel: as escadas, que permitiam o acesso ao Boulevard Port Royal. Não era muita coisa, mas agora tinha mais uma informação.
Sua atenção voltava-se agora às tais escadas. Afinal, por ali também deveriam ter passado a menina Aline e sua sequestradora, a fim de terem acesso ao carro que as aguardava. Virgínia que, em tese, pegaria o ônibus 91 para ir à Gare de Lyon, também deveria ter subido aquelas escadas.
Faltava agora saber por que o corvo, que antes fazia o trajeto de ida e volta ao hotel, deixou de fazê-lo, sumindo ao mesmo tempo que o capitão Maurel.
— Teria o capitão subido as escadas? — perguntou-se Natalie.
Ele não tinha motivos para fazê-lo, como tinham sua ex-mulher, a menina Aline e a sua sequestradora. Poderia ter seguido adiante até o Boulevard Arago ou dobrado em uma ou outra rua que desembocasse na Rue Pascal. Mas a hipótese de que ele teria subido as escadas não poderia ser descartada.
*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”
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