O Corvo (XXXV)

Marco Guimarães *
O juiz Paul chega ao tribunal e se dirige ao seu gabinete. Uma vez lá, retira seu sobretudo e o joga sobre uma das poltronas que fazem parte da mobília. Em seguida, retira do bolso do paletó um pequeno bloco, no qual anotara os nomes de Virgínia Barnoux, Maurice Maurel e Annick Delardié, e o coloca sob o mouse. Senta-se, pega o telefone e faz uma chamada. Alguns minutos depois, alguém bate à porta de seu gabinete.
— Meritíssimo, desculpe-me, não estava na sala quando o Sr. me ligou. Disseram que o Sr. queria falar comigo. Eu tive que…
— Não precisa se justificar, sente-se. Eu quero que você faça um levantamento criterioso sobre algumas pessoas — disse ele, entregando ao funcionário o pedaço de papel que retirara do paletó.
— São de Dijon?
— Há muito mistérios envolvendo estas pessoas. Mas respondendo a sua pergunta, não, não são daqui de Dijon. O homem dessa lista supostamente seria um capitão de polícia de Paris, que estaria investigando o sequestro de uma menina, que teria sido notícia em toda a França.
— Sequestro de uma menina? Desculpe-me, meritíssimo, mas não ouvi falar desse sequestro.
— Tampouco eu — diz ele ao incrédulo funcionário, completando: — Fiquei sabendo através de uma informante.
— E quanto às outras pessoas?
— A que se chama Annick Delardié supostamente é da minha própria cidade, Fixin, e deveria, segundo a informante, morar no mesmo endereço que eu — responde ele, deixando o funcionário mais perplexo ainda.
— Não entendi, meritíssimo, mais uma vez desculpe-me.
— Eu explico: a outra mulher, Virgínia, é parisiense, estaria se separando do tal capitão de que lhe falei e veio para a casa da Annick, que, como lhe disse, seria a proprietária de minha casa e estaria morando lá.
— O Sr. tem alguma sugestão de por onde eu deva começar?
— Já liguei para a polícia de Paris e fui informado de que não havia nenhum capitão Maurel por lá. Pesquise em todos os hospitais e veja se apareceu alguém sem identificação. Veja também a relação dos que morreram e cujos corpos estão, há algum tempo, à espera de reconhecimento pelos parentes. Quanto às duas, vá ao registro geral de identidades e pesquise seus nomes.
Após a saída do funcionário, ele começa a pensar se deixar Virgínia em sua casa teria sido a atitude certa. Ainda que achasse que ela não estava mentindo, poderia ser daquelas que contam uma mentira e acreditam estar dizendo a verdade. Afinal, o tal capitão Maurel, segundo o que ouvira do distrito policial do qual ele supostamente era chefe, não existia e nunca houve nenhum capitão com esse nome por lá. Se tinha dúvidas de que a história que ela lhe contara não se amparava em um fio sequer de plausibilidade, então porque tomara aquela decisão?
*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”
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