Opinião

O Corvo (XXXVIII)

O Corvo (XXXVIII)
Crédito: Divulgação

Marco Guimarães *

Já em casa, Paul recebe um telefonema. Era o oficial de seu gabinete para lhe informar que estava em Paris e tinha notícias sobre as pessoas que ele mandara investigar.

— Meritíssimo, bom-dia! Tenho aqui comigo algumas informações, talvez ajudem e…
— Então?
— Bem, comecemos pelo capitão Maurel. Há uma pessoa no Hospital Val-de-Grâce, aqui em Paris, internada no CTI e que foi registrada como Maurice Maurel. Pode ser que seja o capitão. Quanto à tal sequestradora, ela está presa. Foi descoberta em uma rua de Fixin, quando a menina que estava com ela começou a chorar dizendo que queria a mãe. Os policiais da estação desconfiaram e a prenderam. A menina está sob a tutela do serviço social da prefeitura, aguardando a identificação e a localização da mãe.
— E quanto à Virgínia?
— Não, não existe ninguém com o sobrenome dela que resida atualmente em Paris. Ah, já ia me esquecendo. Há uma mulher que se diz chamar Natalie e alega ser tenente da Polícia Nacional. Disse que estava investigando o desaparecimento de seu chefe, o capitão Maurel, e de todas as outras pessoas que o Sr. pediu que investigasse. Ela está detida no distrito onde diz que trabalha.
Paul agradeceu ao funcionário e disse que o esperasse no hospital, ele iria até Dijon, pegaria um trem e o encontraria. Avisaria assim que chegasse à Gare de Lyon. Chamou Virgínia e perguntou se ela se importaria de ir até Paris com ele.
— Não sei em que isso irá ajudar, mas você tem sido tão gentil, diante de toda essa confusão, que uma viagem a mais, uma viagem a menos não importaria muito…

Já era o final da tarde quando o juiz Paul e Virgínia chegam ao Hospital Val-de-Grâce, no Boulevard Port Royal. Seu oficial de gabinete já o esperava e havia tomado todas as providências para que tivessem acesso ao CTI.

Quando chegam ao leito onde estava Maurel, Virgínia quase desfalece e, para não cair, apoia-se nos braços de Paul. Se por um lado ver Maurel no CTI a deixava muito preocupada, por outro significava que ela finalmente encontrara alguém que poderia ajudá-la a esclarecer as coisas.

— Maurice, pelo amor de Deus, o que aconteceu?
— Não se preocupe, estou bem, farão uma angioplastia para desobstruir minhas artérias. Em alguns dias saio daqui.
— Mas por que não me avisaram? A Natalie poderia ter me avisado.
— Acho que não poderia, não. Acho que ela não está nesse mundo.
Virgínia, Paul e seu oficial de gabinete se entreolham, deixando transparecer seu espanto. Talvez tenham pensado: o homem está delirando.
— Eu já explico tudo. Quando subi as escadas da Rue Pascal para sair no Boulevard Port Royal, houve, naquele exato momento, a abertura de um portal para um mundo paralelo, que me conduziu para o outro lado, ou melhor, para este lado. Há muito mais ainda, mas posso resumir dizendo que me vi diante de um cinema, ou um teatro, onde um filme mostrou-me o trajeto que fiz para chegar até aqui e também várias situações de perigo que quase me mataram. A última delas foi o ataque cardíaco que tive quando corria para pegar o 91. Pretendia ir a Fixin para tentar encontrar a sequestradora e a sequestrada.
— Mas como você soube que elas iriam para Fixin? Você sabia que havia um carro no Boulevard Port Royal esperando para levá-las lá? — perguntou Virgínia.
— Não e sim. No nosso mundo eu não sabia. Mas depois que cruzei o portal, um corvo me disse que elas tinham ido para lá.
— Um corvo? — perguntaram os três em uníssono.
— Foi isso que vocês ouviram. Um corvo.
— É tudo muito estranho — diz Paul. Mas há algumas evidências que talvez possam dar crédito a parte de suas afirmações, pelo menos no caso da sequestradora, que a polícia conseguiu prender na Gare de Lyon com bilhete para Dijon e Fixin.
— E a menina Aline? — perguntou Maurel.
— Está no serviço social da prefeitura.
— Bem, há ainda um outro fato. Uma pessoa que se diz tenente Natalie está detida no distrito policial do 5º arrondissement.
— É da minha equipe. Provavelmente você e ela, além da sequestrada e da sequestradora, também cruzaram o portal — diz ele, dirigindo-se a Virgínia.
— E como faremos agora, ficaremos aqui para sempre, sem identidade, sem vida? — pergunta uma aflita Virgínia.
— O corvo, o corvo será o nosso condutor. Ele me disse que o portal se abria com constância. Eu posso apostar que ele é guardião do lugar.

*Escritor. Autor dos livros “Fantasmas de um escritor em Paris”, “Meu pseudônimo e eu”, “O estranho espelho do Quartier Latin”, “A bicha e a fila”, “O corvo”, “O portal” e “A escolha”

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