O delicado equilíbrio da Natureza

Compreender como tudo e todos estão interligados no planeta, que de fato somos apenas parte dele, é um exercício de humildade e autoconhecimento. Sentir na pele (e no bolso) as interligações do nosso mundo está na pauta do dia. Estamos a todo momento a observar e examinar para tentar entender o caminhar das coisas, tal como poetizou Gilberto Gil quando canta “Quanta”: “teoria em grego quer dizer o ser em contemplação”. Após alguns momentos de reflexão seguir-se-ão atitudes e decisões baseadas em nossas interpretações. Que sejam sempre iluminadas!

Não é de hoje que escutamos que a temperatura do planeta aumentou 1,1º C desde a era pré-industrial iniciada no século XIX. Atualmente, satélites meteorológicos são capazes de detectar se a temperatura das águas dos oceanos estão também se alterando. Parece que tudo vai bem enquanto a temperatura da água fica até 19º C. Quando chega a 20º C uma epidemia de cólera é previsível. Isso ocorre porque é nesta temperatura que a bactéria ativa seu fator de virulência, e atinge a sua cadeia alimentar formada por ovos de insetos, crustáceos do zooplâncton, e peixes. A cólera é uma infecção intestinal causada pela ingestão de alimentos ou água contaminada pela bactéria Vibrio cholerae que atinge cinco milhões de pessoas no mundo anualmente. Destas, mais de cem mil morrem devido a uma diarreia intensa. Um paciente chega a perder quarenta litros de fluidos corporais em uma semana, apesar do tratamento de reposição, e antibióticos. Ostras, mariscos, e mexilhões contaminados são os alimentos com os quais se deve ter o máximo de cuidado ao serem consumidos frescos ou malpassados. De cada dez pessoas apenas uma tem a forma grave da doença, estando em maior perigo os conhecidos portadores de comorbidades tais como os diabéticos, e os imunossuprimidos.

Além dos satélites, há outros dispositivos modernos para mensurar a temperatura dos seres humanos que estão sob risco de hipertermia, isto é, elevação de sua temperatura durante alguma atividade. Acima de 38,5 º C pode ser nocivo para a saúde, colocando em risco a vida. Nesta linha de preocupação estão os atletas do triathlon Ironman. A competição envolve nadar 3,8 km, pedalar 180 km, e finalmente correr 42,195 km. E sabemos que as condições ambientais são fatores agravantes tais como a temperatura e umidade. Por isso, os cientistas desenvolveram termômetros em forma de pílulas que são ingeridos, e que transmitem as informações por telemetria para serem estudadas e monitoradas. Habitualmente, um atleta bem treinado começa a competição com uma temperatura corporal em média de 36,62º C ± 0,17º C, e no final atinge em média 38,55º C ± 0,64º C. Aqueles que não voltam à temperatura normal após sessenta minutos do término da competição devem receber cuidados especializados para resfriamento.

Um dos resultados do avanço do conhecimento da temperatura é saber que provocar sua diminuição pode ajudar na estratégia de tratamento de várias doenças. Causar hipotermia nas primeiras 24 h, isto é, abaixar a temperatura de um paciente para 32º C a 34º C pode melhorar a recuperação neurológica, e aumentar a sobrevida em pacientes que entraram em coma após uma parada cardíaca em certas condições. A hipotermia terapêutica também pode ser útil ao dar melhor prognóstico para o desenvolvimento neurológico de recém-nascidos, para os quais se evidenciou falta de oxigênio já seis horas antes do nascimento. Os efeitos benéficos da hipotermia ocorrem devido a vários mecanismos conhecidos. Pois, sabe-se que o frio reduz o metabolismo cerebral, o que faz demandar menor quantidade de sangue para nutri-lo, diminui a pressão intracraniana, diminui o inchaço cerebral ao alterar para menor a permeabilidade dos tecidos celulares, reduz a produção de uma dezena de fatores inflamatórios e radicais livres tóxicos, dentre outros. Interessante aspecto relevante é o aumento de 43 % de sensibilidade à insulina em pacientes diabéticos residentes em regiões frias quando se expõem habitualmente à temperatura de 10º C no ambiente externo em suas atividades.

Por outro lado, o excesso de calor ambiente pode comprometer a saúde das pessoas com fragilidade levando à desidratação. Esta, por sua vez, pode elevar a viscosidade do sangue (ficar mais “grosso”), aumentando as chances de trombose cerebral (derrame) e coronária (infarto). Durante uma grande onda de calor a taxa de hospitalização e morte de diabéticos chega a aumentar 56 %. Dentre as razões da causa deste fenômeno está a constatação de que eles não conseguem suar de forma habitual, o que compromete em 54 % este importante mecanismo de resfriamento do corpo. Observa-se ainda que após sessenta minutos de exercício, a taxa de retorno à temperatura de repouso demora o dobro de um paciente saudável. Outro aspecto é que quando um dos exames laboratoriais chamado hemoglobina glicosilada (HbA1c) está cronicamente elevado acima de 8,5 %, ocorre dano ao sistema de controle da abertura das veias da pele com o objetivo de perda de calor. Esta estratégia está também prejudicada nos idosos. Assim, procurar a sombra e manter uma hidratação constante são fatores imprescindíveis.

Mas há momentos de felicidade e cultivo da família que a variação da temperatura é celebrada. No acompanhamento da fecundidade a mulher pode medir diariamente sua temperatura. A qualquer momento, na proximidade do 14.º dia do ciclo menstrual, imediatamente antes da ovulação a temperatura basal cai 0,3º C; e logo após ela sobe cerca de 0,3º C a 0,5º C. Do lado masculino a produção de esperma precisa de 3º C a menos que a do corpo para ser eficiente. Por isto, a bolsa que contém os testículos fica relaxada no calor e retraída no frio. O ciclo da vida continua…

E nossas responsabilidades com quem amamos não cessam nunca, pois a máxima “tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé”, do clássico da literatura mundial Le petit prince (em português “O Pequeno Príncipe”), “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”), é de um calor cujo fogo não se apaga.