Opinião

O descaso sem limite

O descaso sem limite
Crédito: Agência Brasil

A Medida Provisória nº 1.154, de 1º de janeiro de 2023, que estabelece a nova organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios, escancara o que há muito, como especialistas, estamos denunciando: o desconhecimento de nossas lideranças públicas e, consequentemente, o total descaso com a gestão de recursos hídricos no País.

Basta dizer que temas caros à gestão desse recurso natural vital, como a infraestrutura hídrica; águas urbanas; conservação e manejo; planos, programas, projetos e ações de gestão de recursos hídricos; segurança hídrica; irrigação; controle e gestão de eventos hidrológicos adversos; aproveitamento de recursos hídricos estão, literalmente, espalhados por 7 ministérios. Sem falar no fato de o Plano Nacional de Recursos Hídricos, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) estarem em dois ministérios ao mesmo tempo.

O descaso não tem mesmo limite.

O recurso hídrico é de ocorrência variável, no tempo e no espaço, as variações são às vezes extremas (água demais e água de menos) e os usos, múltiplos. Segurança hídrica é a base para o desenvolvimento sustentável. Daí, as primeiras preocupações dos humanos com os fenômenos hidrológicos remontarem ao Antigo Egito, à Mesopotâmia, à Índia e à China, há alguns milhares de anos antes de Cristo. Temos, assim, a hidrologia, ciência que teve seu maior impulso de desenvolvimento no século XX, devido ao avanço do processo civilizatório, especialmente da urbanização, e a necessidade das estruturas hidráulicas – estruturas construídas para manter ou alterar, acumular, interromper, medir, controlar, desviar ou conduzir o fluxo natural da água.

No Brasil, desde Maurício de Nassau, tivemos e temos alguns dos hidrólogos e hidráulicos mais respeitados no mundo, além de diversas organizações públicas e privadas de destaque, que contribuem para o desenvolvimento dos estudos, projetos e pesquisas nas áreas relacionadas com a Hidráulica, em geral, e com a Hidrologia, em particular, como a Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRHidro. Desde 1997, temos a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433) e, desde 2000, uma vigorosa agência reguladora e de gestão (ANA).

Embora espantoso, não é o conteúdo, no mínimo, descuidado da MP o que mais choca nesse descompasso entre a capacidade técnica e o robusto arcabouço legal e institucional do nosso País no campo da gestão de recursos hídricos e o descaso dos poderes executivos institucionalizado para com o tema. Esse fato recente é apenas mais um ícone de nosso triste cenário.

O que choca são as vidas ceifadas, em 2021 mais de 450 pessoas, e manchetes dos jornais também em 2022, por falta de drenagem urbana; sonhos e esforços de uma vida inteira escorrendo na lama; são os brasileiros e brasileiras condenados à pobreza por estarem em zona de escassez (embora mais úmidas que estados ricos como de Israel); choca também o fato de termos apenas 85 municípios, dos mais de 5.000, cumprindo os requisitos básicos de saneamento; 48% da população sem coleta de esgoto; apenas 46% dos esgotos gerados no país tratados; 16% da população sem água tratada; risco real de déficit em abastecimento, mesmo em regiões úmidas; mais de 850 municípios brasileiros que enfrentam problemas reais com abastecimento seguro de água…

A lista não se esgota aqui, é enorme, e o descaso, parece, permanente.

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