Opinião

O impacto da deflação nos contratos de locação

O impacto da deflação nos contratos de locação

Marcelo Pereira Mantuano*

Os contratos de locação preveem, em sua grande maioria, índice de reajuste do valor do aluguel atrelado ao IGP-DI.

Este índice foi concebido no final da década de 1940 para medir o movimento de preços no País, de forma abrangente, compreendendo diferentes atividades e, ainda, diferentes etapas do processo produtivo. Essa concepção permitiria obter um coeficiente de correção e, consequentemente, um indicador do nível de atividade econômica.

O IGP é formado pela média aritmética ponderada de outros três índices de preços, cada um com um peso diferente: IPA – Índice de Preços ao Produtor Amplo (60%); IPC – Índice de Preços ao Consumidor (30%); e INCC – Índice Nacional de Custo da Construção (10%).

Segundo o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pelo seu cálculo e divulgação, o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) é um indicador do movimento de preços que há mais de seis décadas serve às comunidades econômicas nacional e internacional como termômetro de inflação no Brasil. Além de indicador econômico, o IGP-DI é usado como referência para correções de preços e valores contratuais.

Curiosamente, este mesmo índice que chegou a atingir quase 40% de aumento no período acumulado de 12 meses durante a pandemia, atualmente está negativo na soma dos meses de maio de 2022 a abril de 2023.

Em momentos como estes, que não são inéditos em nossa história, surge o questionamento se os contratos de locação com vencimento agora devem aplicar o índice negativo e “reduzir” o valor do aluguel ou não aplicam nada.

Segundo o Conselho Federal de Contabilidade (Resolução CFC nº 1.282, de 28/05/2010)“… a moeda, embora aceita universalmente como medida de valor, não representa unidade constante em termos do poder aquisitivo…”, na medida em que sofre a incidência de variação observada nos preços gerais da economia.

Para referida entidade a atualização monetária não representa nova avaliação, mas tão somente o ajustamento dos valores originais para determinada data, mediante a aplicação de indexadores ou outros elementos aptos a traduzir a variação do poder aquisitivo da moeda nacional em um dado período.

Como se percebe, a atualização de valores deve traduzir a variação do poder aquisitivo da moeda, seja para mais ou para menos. Ela surgiu com o intuito de manter o valor de compra da moeda ao longo do tempo, tentando reduzir os impactos e as distorções ocasionadas pela variação dos preços.

O Poder Judiciário já se manifestou sobre o tema. No ano de 2012, a Corte Especial do STJ unificou as decisões até então divergentes havidas em suas turmas e seções, firmando o entendimento de que a correção monetária deve considerar tanto as variações positivas quanto as negativas dos índices inflacionários (STJ, CORTE ESPECIAL, RECURSO ESPECIAL Nº 1.265.580 – RS, RELATOR MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, j. 21.03.2012, DJe 18.04.2012).

Em suma, para que o efetivo poder de compra da moeda seja mantido, todas as variáveis devem ser consideradas integralmente, sejam positivas ou negativas. A desconsideração de índices negativos verificados em períodos de deflação enseja situação não condizente com a realidade econômica apurada pelas entidades oficiais tampouco reflete o espírito da natureza jurídica do instituto da correção monetária.

*Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG

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