Opinião

O mundo real e o sonho

O mundo real e o sonho
Crédito: Adobe Stock

Fábio Ribeiro Baião*

É fácil perder o equilíbrio diante de tantas demandas. Manter-se confiante para não abalar a concentração é uma necessidade. É o modo de se manter ativo como resolvedor de problemas. Pois a cada dia um novo desafio surge. Um dos obstáculos mais envolventes na vida das pessoas é o adoecimento de um membro da família. Nele, passamos a conhecer as mazelas do mundo e as dificuldades da existência. Fazemos ainda uma reviravolta interior para encontrar a resposta do que vale a pena.

O mais incrível é que até mesmo as crianças com adoecimento crônico desenvolvem sua espiritualidade inata para lidar com este momento de vida.  Os recursos interiores vão além da religiosidade da família. O sofrimento faz emergir a busca do significado da vida, do porquê de estar aqui e como transcender este tempo. Estima-se que uma em cada sete crianças sofre com doença crônica. Para essa criança, brincar, mesmo na vigência da doença, é um verdadeiro exercício de desenhar cenários alternativos. Treina repertórios comportamentais diversos, pois a frustração e alegria do empate, da vitória e da derrota nos inocentes joguinhos amplia o entendimento do outro. Treinar na derrota a respeitar a alegria do “adversário”, desde tenra idade, é construir cidadãos respeitosos e solidários. Por isso, é benéfica e elogiável a existência de iniciativas como brinquedotecas em hospitais. Vê-se ainda a crescente aceitação da “terapia assistida de animais” onde principalmente cães e gatos interagem de forma positiva. Não há competição nem substituição das terapias convencionais, mas complementação para melhorar a qualidade de vida de quem já possui ou está sensível a esta nova oportunidade de conexão.

Manter a chance de interação das crianças é uma necessidade principalmente nas internações demoradas, sobressaindo-se as estadias prolongadas gastroenterológicas, oncológicas, cardíacas e ortopédicas. Muitos jogos conseguem simular as situações-problema da vida real, para fazer mergulhar por inteiro na busca de uma resolução. Um estudo em crianças de sete a onze anos internadas, foi capaz de demonstrar uma diminuição do nível do hormônio cortisol nas crianças após as brincadeiras, comparativamente às que não participavam. Provou-se assim um menor nível de estresse nas que interagiam. Na adolescência, as narrativas construídas e compartilhadas ajudam a desenvolver a identidade, o que é um elemento crucial para a saúde mental. Talvez as virtudes alvo mais cobiçadas nesta idade sejam crescer na resiliência, aprender a cooperar e dialogar.

É fato que essas oportunidades de aprendizado de uma construção saudável de convivência fazem diminuir a ansiedade, agressividade, evasão escolar e melhorar a inserção social dos adolescentes. Traz também maior alegria aos pais, ao verem o desenvolvimento de seus filhos.

Somos de fato “homo ludens” e buscamos momentos de lazer em todas as idades, seja nos jogos, esportes, jogos de faz-de-conta, teatro, dança, estórias, linguagem, poesia, rituais, música, competição, guerra, filosofia e arte. É até difícil delimitar os limites deste contexto. Basta olhar a saudação de grupos locais que brincam com expressões pitorescas envaidecidas para provocar os amigos frente a vitória de sua equipe favorita. Ou os arroubos de quase uma centena de decibéis de certos jogos de cartas que até confunde quem escuta – estão brigando!?

Para os adultos, se liberar das amarras que impedem a transcender é ainda mais libertador. Pode ser conquistar um tempo para si mesmo, respeitar o próprio ritmo, ter coragem de mudar, aprender alguma coisa que se sonhava, viver o presente, sair da rotina, fazer algo pelos próprios objetivos em vez de se queixar, simplificar a vida, e até mesmo realizar suas fantasias.

Para a maioria das pessoas, um acontecimento que ameaça a vida proporciona crescimento espiritual. É como dar novos óculos para enxergar a existência. É não ter vergonha da própria nudez para dizer que se mudou de opinião. Que nos inspirem as sábias palavras: “A vida não são flores, baby/A vida são dores também”, de Vander Lee ao recitar poeticamente “A vida não são flores”. Vale a pena escutar para se emocionar.

*Médico Ortopedista

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