O paraíso não está perdido
Foi impossível viver 2020 sem um instante de dificuldade em controlar emoções fortes e difíceis, sem sentir cada vez mais a nossa vida real sendo tomada pela virtualidade. Se não reagirmos, seremos condenados ao papel da garçonete de “A Rosa Púrpura do Cairo”, à espera de que o mocinho saia da tela para nos amar como forma de salvação.
Uma das mais lindas definições de amor: Amor é dar a alguém o poder de destruir a nossa vida, com a confiança de que ele jamais irá usá-lo. Que loucura colossal, não é? Precisamos tanto de afeto como do ar que respiramos e eis que um exército invisível, cuja imagem estrutural mais se parece com os cem olhos de Argos, da mitologia grega, nos vigiando a todo instante e ostentando a marca da maldade, invade as nossas vidas para anunciar que, a partir de agora, para preservamos o nosso bem maior, a saúde, deveremos nos isolar.
Não queremos ficar doente juntos, queremos é ficar bem juntos. Somos essencialmente seres sociais e, consequentemente, necessitamos uns dos outros.
Ao atravessarmos o pandemônio, a Covid-19 nos impõe a passagem miltoniana para um novo mundo e, diante de tantas e sofridas transformações, vivemos dias aterrorizantes de medo e pânico, de tal forma que as evidências determinam que precisamos ser mais líderes das nossas próprias vidas, sem nos esquecer que a responsabilidade pelo próximo é um dever social, no sentido mesmo daquilo que aperta o coração.
Há um ano, os especialistas diziam que o mundo era Vuca – Volatility (volátil), Uncertainty (incerto), Complexity (complexo) e Ambiguity (ambíguo). Hoje, o acrônimo que explica nosso Zeitgest (espírito da época) é Bani: Brittle(Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (não linear) e Incomprehensible (Incompreensível). Mais do que definidor do mundo, Bani é uma lógica que determina como sua postura pessoal deve ser daqui por diante.
Entretanto, algumas competências não saem de moda. Uma das mais admiradas e necessárias nos grandes líderes é a capacidade de tomar decisões, principalmente sob pressão e em momentos de crise.
O grande herói da vida real é, antes de tudo, o líder consciente, porque ele, como canta o poeta, é o grande motivador, muito mais que um amigo, parte indissociável do caminho, aquele que nos ensina o jogo da vida e por quem nunca vamos ficar mudos pra falar de amor, ou seja, o modelo ideal personalíssimo de líder que cuida, humano e consciente.
E os tantos outros líderes da nossa existência, que se dedicam a nos ajudar, por que fazem isso? Certamente, porque nós faríamos a mesma coisa por eles, em uma troca de confiança, respeito e cooperação.
Então, para a boa construção de um relacionamento saudável, a confiança é fundamental. É uma crença edificada aos poucos e conquistada por meio dos nossos comportamentos e ações. Após 10 anos de estudo, a Google concluiu que as equipes de alta performance não são fruto somente da pressão por resultados, mas, notadamente, da segurança psicológica.
No entanto, em nome da vida maravilhosa e poderosa idealizada pelos que “fazem parte desta massa que passa nos projetos do futuro”, mal acordamos, começamos a correr e correr, tomamos decisões, enviamos mensagens, trabalhamos mais do que tudo, quase nos esquecendo da importância do calor humano que agora é temporariamente banido do nosso convívio, muitas vezes cegados que somos pela interpretação equivocada e distópica da instituição da ascensão social.
O remédio é amargo, o aprendizado é infinito, mas o momento é de introspecção, não se confundindo e passando longe da alienação. Sob regras inquebráveis, mudamos a rotina das nossas vidas, reduzimos os encontros festivos e as reuniões de trabalho, o ritmo da batida por certo, viajamos menos e, por mais que as grandes oportunidades sempre estejam batendo à porta da crise, a maioria ganha menos dinheiro.
“Conhece-te a ti mesmo”: Cuide melhor da sua agenda e foque no que é prioritário e indispensável. Estamos sob teste do destino para criarmos uma nova organização de sociedade.
Então, suspensos “abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”, que tal se nos reconciliássemos com os bons sentimentos e os melhores pensamentos? É isso mesmo, contra a Covid-19 vamos usar as nossas armas natas, como gente que somos, e passarmos a querer e agir humanamente! Vamos nos irmanar e, com convicção, nos recusarmos a aceitar qualquer espécie de sofrimento experimentado por um ser vivo, como se uma coisa ele fosse.
É a lição de Comte-Sponville, mais atual ainda em tempos de incertezas: Que cada um seja o seu próprio mestre, como convém, e seu juiz, para ser humano, mais forte e doce.
Sigamos juntos, incentivando oportunidades para que todos exerçam o ofício profissional. A pergunta mudou: Não será quanto custa investir nas saúdes física, mental, espiritual e social dos nossos empregados e de nós mesmos, mas: Quanto custará se deixarmos de investir?
O que 2021 quer de nós é coragem para ser humano e amar o próximo como a ti mesmo. O paraíso não está perdido!
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