O telhado de vidro francês

Carlos Perktold *
Está circulando nas redes sociais um vídeo tão estarrecedor sobre a França que havia a recomendação de que ele fosse confirmado com o Dr. Google, teclando “colonial tax France” se alguém o julgasse “fake news”. Duvidando da informação, fiz o recomendado. O que li na internet deixa qualquer ser humano perplexo pela devastação provocada pelos franceses nos países colonizados e cheio de dúvidas se as ex-colônias são hoje realmente países independentes.
Desde 1957, catorze países africanos (Benin, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Niger, Senegal, Togo, Camarões, República Central Africana, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Chade, Congo-Brazzaville e Gabão) pagam anualmente à França uma taxa sobre suas reservas cambiais, uma espécie de eterno “salvo conduto”. Em conjunto, eles têm US$ 550 bilhões depositados em Paris, que a França jamais devolverá. Esses países foram e são obrigados a depositá-las no Banco da França, mas só podem gastar 15% por ano. Se usarem mais que isso, pagam uma sobretaxa. Sobretaxa a juros comerciais de um dinheiro deles que está na mão francesa.
Logo após a II Grande Guerra, o pacto colonial manteve controle sobre a economia desses países. A França, além de tomar as reservas cambiais, controla hoje a produção de matéria-prima, estacionou tropas com direito de passagem e os obriga a comprar armas e equipamentos militares apenas da França. Empresas francesas têm o monopólio de água, eletricidade, portos, transportes e energia. Pacto que está em vigor. Se não fosse a riqueza ainda explorada da África, a França seria a 15ª economia do mundo e jamais estaria entre as primeiras, declarou o ministro italiano Luigi Di Maio em fevereiro deste ano.
Em 1958, Sékou Touré (1922-1984), da Guiné Equatorial, foi o primeiro líder africano a se rebelar contra o império francês com o lema de que “era preferível a liberdade com pobreza que a opulência na escravidão”. Ele conseguiu a independência à custa de muita miséria, produzida pelos colonos. Antes de saírem, trezentos mil cultos franceses cheios de fúria odiosa deixaram o país destruído, reduzido a pó. Queimaram tudo que estava na frente: livros, tratores, prédios, máquinas, plantações, bibliotecas, os alimentos estocados, o gado foi massacrado e os hospitais depredados com seus aparelhos. Se pudessem, queimariam a população com seu presidente. Queimaram e destruíram tudo que a colônia havia construído com o dinheiro e o trabalho locais ou com aquele trazido da França. O país ficou arrasado. O propósito dessa devastação era dar um recado às outras colônias do que aconteceria se ousassem querer a independência.
A maior parte da pobreza africana é devida à atitude francesa sobre as suas ex-colônias. A França não tem condições materiais de abrir mão delas, mesmo que quisesse. O leitor entende agora a pobreza africana?
Mais informações estarrecedoras sobre a taxa e o que o país de Proust ainda faz com suas ex-colônias, o leitor encontra na Internet teclando Institut Européen des Relations Internacionales – Academia Diplomática Europaea.
Pois é esse país, com este enorme telhado de vidro, que ousa vir dar lições de como cuidar de nossa terra e incêndios e ainda comete o desatino de falar em “internacionalização da Amazônia” como se aqui fosse sua ex-colônia. Gostaríamos de saber o que ocorreria se Macron quisesse internacionalizar as reservas russas de gazes naturais, o petróleo dos árabes ou se o mundo quisesse fazer o mesmo com o acervo dos museus franceses.
O presidente francês sabe que as fontes de renda de seu país vão diminuir ao longo das próximas décadas. Ele está preocupado e sabe que é preciso recuperá-las e nada melhor que aproveitar o know-how de país colonialista para tentar levar as riquezas brasileiras, tão próximas da sua Guiana. Afinal, toda América foi colônia de alguém. Por que não pode voltar a ter um status diferente do atual? Desconhecendo o que somos, Macron julgou-nos vulnerável e não esperava a reação da Presidência da República, dos militares e do povo brasileiro. E nem contava com a falta de aprovação de seus colegas do G-7. Ele ficou isolado no grupo, mas ficou bem na foto dentro da França faturando politicamente com nossas queimadas.
*Advogado, psicanalista e escritor
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