Os protestos cubanos

A imprensa brasileira e mesmo figuras que, por sua formação acadêmica, deveriam melhor entender as realidades sociais, econômicas e políticas dos diferentes países do mundo contemporâneo, aproveitam os acontecimentos em Cuba para deturpar a natureza do regime cubano. Chamam a atenção para o agravamento da crise econômica e sanitária do país, atribuindo-a ao governo e salientando a falta de escrúpulos do presidente do país, ao isentar de responsabilidade o seu governo e declarar que as manifestações não serão toleradas, prometendo, inclusive, uma “resposta revolucionária”, que significaria, sem dúvida, o incitamento de uma guerra civil. O que não seria nada improvável, uma vez que o regime cubano se assenta mesmo no medo e na opressão da população.
Gostaria de resgatar aqui o testemunho de uma pessoa com profundo conhecimento daquele país, de reputação ilibada, autor de vários livros sobre Cuba, atualmente contratado pela FAO para assessorar o governo cubano na implementação do Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional. Trata-se do Frei Beto. Em artigo recente, intitulado Cuba Resiste, Frei Beto mostra um profundo conhecimento da ilha, resultado de compromissos de trabalho no país, participação em eventos e mesmo mediação no diálogo entre bispos católicos e o governo de Cuba, de visitas frequentes quando teve a oportunidade de conversar com diferentes setores da população cubana. Essa vivência lhe proporcionou (segundo Frei Beto) o conhecimento “em detalhes” do cotidiano cubano, das dificuldades enfrentadas, dos questionamentos à Revolução, das críticas de intelectuais e artistas do país, de sacerdotes e leigos cubanos avessos ao socialismo, de presos políticos, opositores da Revolução. Sabe também do peso da burocracia, da fila nos mercados, da escassez de produtos. Da vida difícil que levam os cubanos. Mas sabe também que a Revolução cubana assegurou os três direitos humanos fundamentais ao cidadão: alimentação, saúde e educação, além da moradia e do trabalho. Assistência à saúde e escolaridade está garantida, totalmente gratuita, como dever do Estado e direito do cidadão, diz Frei Beto.
Antes da Revolução Cubana o país era terreno dos EUA, conhecido como “prostíbulo do Caribe”, sob o domínio das máfias nos bancos, no turismo, no comércio, na vida cotidiana. Derrotados em abril de 1961, quando tropas mercenárias a soldo dos EUA invadiram a ilha tentando derrubar o novo regime, Kennedy decretou, em 1962, o bloqueio de Cuba. Que dura até hoje, reforçado recentemente por Trump com 243 novas medidas. O que resultou no endurecimento do bloqueio, em perseguições financeiras contra o setor energético, em dificuldades crescentes na compra dos bens mais corriqueiros e inclusive na inclusão de Cuba na lista dos países patrocinadores do terrorismo. A pandemia só veio agravar o quadro. Obrigada a importar mais de 60% dos produtos essenciais ao país, sem acesso às vacinas devidamente aprovadas, tendo que cortar o turismo (fonte importante de divisas) e vivendo a política internacional de descrédito de suas brigadas médicas, Cuba atravessa um momento realmente difícil: escassez de alimentos, medicamentos, matérias-primas e insumos, combustíveis (“o governo estadunidense aprofundou as sanções contra as companhias de navegação que levam petróleo para a ilha”). Sem divisas, sem condições de investir recursos na produção e, portanto, sem capacidade de exportar. Ainda por cima, sofre uma campanha midiática feroz de descrédito, como parte da guerra não convencional, que tem como finalidade desqualificar o governo. Terreno fecundo para “protestos” daqueles que ainda se deixam influenciar pelo sonho americano.
Será que a experiência cubana de Frei Beto não nos ajudaria a melhor entender a situação real de Cuba? É um depoimento de uma vivência riquíssima que nos mostra, sem distorções, todos os resultados e dificuldades produzidas pelo boicote que o país sempre sofreu, sobretudo por parte dos EUA, mas também por alguns países europeus, submissos ao “grande império”.
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