Pesquisa aponta urgência de isolamento social efetivo

Nair Costa Muls*
Em seminário on-line sobre “A ciência diante da crise contemporânea”, o Instituto de Economia da Universidade de Campinas entrevistou, dias atrás, o neurocientista Miguel Nicolelis, professor catedrático da Universidade Duke, em Carolina do Norte, Estados Unidos.
No Brasil desde o início do ano, coordena o Comitê Científico do Nordeste, a convite dos governadores de estados nordestinos, cujo objetivo é tomar as medidas necessárias para compreender e minorar os efeitos da pandemia da melhor forma possível.
O referido professor, que considera a ciência como um agente essencial de transformação, uma das mais potentes armas para enfrentar a crise que vivemos no momento, se posicionou firmemente em relação ao papel da Ciência e do cientista no mundo e apresentou os resultados da pesquisa que está realizando sobre o estado da pandemia que infesta o país.
Vem acompanhando o surgimento do Covid-19 desde o seu aparecimento na China (onde esteve em novembro), sempre em contato com cientistas não só desse país, como de outros, por exemplo, Estados Unidos, Alemanha e Itália.
Segundo o cientista, a primeira grande lição que nos deixa esse vírus é a fragilidade do modelo econômico que prevalece há 300 anos no mundo e a tremenda fragilidade do nosso modelo civilizatório, que gera também um sistema político inviável, a falta de estadistas de peso que possam e saibam dialogar com a ciência.
Dentro desse contexto, afirma que a criação da Igreja do Mercado e do Deus Dinheiro, colocou a vida humana – e o planeta – sob o domínio desses agentes, que não encontram resistência. O vírus, cujo surgimento foi facilitado pelos estragos feitos à natureza e à vida humana, apresenta um grau de infectabilidade altíssimo e provocou uma pandemia global, facilitada pelos meios de transporte.
Um fenômeno global, que traz a possibilidade de mudar o panorama do mundo, diz ele. Uma segunda lição: a necessidade de valorização e de fortalecimento ─ e portanto de investimento maciço ─ do sistema público de saúde (SUS), essencial no combate eficaz da pandemia. E por último o reconhecimento da importância do conhecimento científico e a necessidade de se retomar o diálogo com os cientistas e universidades, criadores desse conhecimento.
Acompanhando o desenvolvimento da pandemia no Brasil desde março (quando se deu a primeira morte, em Feira de Santana/BA, de uma mulher que havia chegado da Itália), mostra como a expansão do Covid-19 se faz através do fluxos aéreo e rodoviário e aumenta quanto mais intenso for o contato social.
A sua pesquisa, seguindo os fluxos dos transportes aéreos e rodoviários, constata a expansão do vírus, o número de contaminações e o número de mortes, que só se reduzem em regiões onde se garante o isolamento e torna a aumentar quando é relaxado.
Em final de abril, quando o isolamento colapsa, os fluxos rodoviários tomam novo alento e a expansão do vírus chega ao máximo, sobretudo na região Amazônica (Acre, Amapá, Roraima, Pará), na Bahia e no Espírito Santo, em São Paulo e no Rio.
Com uma equipe de 2.000 pesquisadores divididos em grupos e subgrupos de trabalho, a pesquisa mostra através de diferentes mapas, o crescer e a interiorização da pandemia no Brasil e a possibilidade de maior crescimento ainda, se não forem tomadas as medidas necessárias: “… enquanto se tiver 80% dos leitos ocupados e a curva for ascendente, há que se manter o isolamento”, assegura o cientista.
A equipe cria também as ferramentas preditivas (formas mais rápidas e eficazes de testes, barreiras sanitárias entre outras), calcula a probabilidade de óbitos e insiste na necessidade urgente de se criar um comando central, um gabinete de crise, capaz de planejar de maneira racional o tratamento da pandemia e impor uma política única, agilizar a compra e a distribuição de insumos e equipamentos, assegurar o isolamento social e a organização de testes, medida preventiva de suma importância.
Segundo o pesquisador, alguns erros crassos foram cometidos pelo governo brasileiro: a negação da importância da pandemia, a demora em fechamento dos voos aéreos internacionais e nacionais e dos transportes rodoviários; e, sobretudo, o desacerto entre as diferentes esferas do governo sobre a necessidade do isolamento social, assim como a subnotificação dos casos de doença e de óbitos.
Como resultado, a contaminação e os óbitos cresceram exponencialmente. E tudo indica que crescerão mais ainda, se não se respeitar efetivamente o isolamento social. Situação agravada pelo despreparo do sistema de saúde e pela falta de leitos e equipamentos necessários nos hospitais públicos.
Recados importantes foram dados às universidades e aos cientistas: a natureza da produção científica não se coaduma com a exigência de alta produtividade (quanto maior o número de trabalhos publicados, melhor); um dos perigos é o engessamento e a burocratização da universidade.
Ademais, não se pode esquecer da importância da multidisciplinaridade para o melhor entendimento das questões a serem estudadas. E por último, chama a atenção para o alijamento dos cientistas nas discussões maiores relativas ao bem-estar da sociedade. É preciso ter em mente, lembra Nicolelis, que se a importância da ciência e do conhecimento produzido pelas pesquisas é fundamental para a sociedade, os cientistas têm que se unir, se posicionar, ter coragem e firmeza, não podem se calar diante dos descalabros da economia, do Estado ou dos governos.
“Eles são agentes políticos também, não só pelo fato de educar, mas também e ainda pela produção de conhecimento científico”, capaz de contribuir para o bem-estar da sociedade e mesmo para o aperfeiçoamento dos produtos e processos de trabalho, do crescimento da indústria, dos serviços, do comércio, da agricultura, ou seja, do modelo de econômico em vigor.
Apesar da dureza do prognóstico, não podemos perder a esperança, diz o professor Nicolelis. Enquanto cientistas, temos a responsabilidade de contribuir para sairmos dessa calamidade e de levar o País adiante, colocando a vida humana como prioridade e construindo um país novo. E todos juntos.
* Dra. em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich
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