Pobreza, clamor e escândalo
Cesar Vanucci*
“Não há escândalo como os farrapos, nem crime tão vergonhoso como a pobreza.” (George Farquhar, dramaturgo irlandês)
Pode ser que a revelação constitua, para alguns, num primeiro momento, motivo de espanto. Adiante, numa análise atenta e criteriosa sobre os dados disponíveis, essa reação tende naturalmente a desfazer-se. Cede lugar a impactante preocupação. O Brasil convive, nestes tempos tormentosos de Covid, com uma outra calamidade social em condições de produzir, a médio prazo, estragos equivalentes ou mesmo mais avassaladores dos que os deixados pelo flagelo pandêmico.
Mais de 50 milhões de patrícios vivem na pobreza. Treze milhões deles, na extrema pobreza. Os dados emergem de um perturbador estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual vem demonstrado que a mancha da miséria só faz crescer, ano após ano, no mapa socioeconômico.
Em 2019, os 10 por cento mais pobres ficaram com menos de 1 (um) por cento do total de rendimentos produzidos pelo labor nacional. No extremo oposto, os 10% mais abonados financeiramente ficaram com perto de 43 por cento da renda. O assim chamado “Índice de Gini”, indicador universalmente adotado para mensurar cenários sociais, estabelece valores que vão de 0 (zero) a 1 (um) para classificar os níveis da desigualdade mundo afora. O “zero” representa a “perfeita igualdade”, o ideal em matéria de desempenho. O “um” designa a desigualdade em seu ponto extremo.
O índice aplicado ao Brasil (2019) vem acusando piora acentuada, cada ano. É hoje, no contexto global, de 0,543. No confronto com o resto do mundo, estamos colocados em incômodo 156º lugar. Na América do Sul, para citar apenas dois exemplos, abaixo do México e Colômbia. Atrás, também, para pinçar um só exemplo na África, de Botsuana. Escusado frisar que, no volumoso contingente dos patrícios enquadrados nas duas indesejadas categorias – pobreza e extrema pobreza -, negros e pardos marcam presença mais pronunciada. O rendimento médio da população branca é de quase 2 mil reais. O dobro do rendimento médio atribuído a negros e pardos.
O professor de economia Écio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco, comentou na televisão que “a disparidade é muito grande e ela sempre atinge as mesmas regiões e os mesmos grupo étnicos. Eles têm condições de vida muito precárias. Uma situação difícil de você sair desse nível social para atingir um ganho social e mudar de situação de vida.”
O retrato da situação brasileira, sem disfarces, sem retoques, é este aqui. Milhões não contam com recursos que lhes garantam possibilidades mínimas de bem-estar. Possibilidades, como sabido, teórica e tecnicamente, já disponibilizadas aos viventes deste planeta azul pelos extraordinários avanços tecnológicos e conquistas globais de desenvolvimento e progresso. Procede o argumento de que a pobreza não é percebida apenas no território brasileiro. Acha-se espalhada por todos os cantos do globo. Mas o que confere maior angústia, no caso brasileiro, é a dissonância entre a colossal potencialidade de riquezas naturais e já produzidas, sem paralelo noutras paragens, e o estado de coisas reinante em ambientes onde se fazem flagrantes os sinais da exclusão.
Os pobres mencionados nas pesquisas não dispõem de casa decente para morar. Não possuem dinheiro para se alimentar. Seu acesso à educação, à saúde, ao lazer é difícil, quando não impossível. Permanecem presos, inexoravelmente, a um círculo perverso e desumano que carece, nalgum momento, ser desfeito.
Os quase 52 milhões em situação de pobreza têm, diz o IBGE, renda mensal que não ultrapassa R$ 430. Já para os 13 milhões que vivem na extrema pobreza a renda mensal apurada é de R$ 150. Façam as contas. O que é possível adquirir com tão minguados vinténs? Mais do que forçada submissão diante da aberrante injustiça, para a criatura alvejada assim de forma tão impiedosa pelo destino, sobra cortante e infindável desespero.
cresce observar – e isso confere uma dramaticidade e crueldade inimagináveis à questão dos excluídos sociais, nossos patrícios – que o Brasil despencou 23 posições, no tocante à segurança alimentar, num conjunto de 145 países. A constatação veio de levantamento do “Gallup World Poll”, abarcando o período de 2014 a 2019. Caímos da 39ª para a 62ª classificação. A apavorante revelação foi confirmada por órgão oficial brasileiro, a Fundação Getulio Vargas.
A hora já vai adiantada. O Brasil precisa acordar para o incandescente problema da pobreza. A elaboração de um grande projeto nacional de desenvolvimento, agregando todas as forças vivas da Nação, é uma exigência social peremptória. Pede prioridade absoluta nas cogitações e preocupações do Governo e demais lideranças aptas a influenciarem magnas decisões. Não há como explicar que num país tão rico quanto o nosso a pobreza assuma características tão clamorosas (e escandalosas)!
*Jornalista ([email protected])
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