Políticas públicas: razão e indiferença

CARLOS MAURÍCIO DE CARVALHO FERREIRA*
Políticas públicas relacionadas à eliminação da pobreza e da miséria são mais do que indispensáveis – são fundamentais e urgentes. Mas, qual a prioridade, a eficácia e o entendimento dessas políticas e dos indicadores da desigualdade social e econômica, enfim, do bem-estar e qualidade de vida da população no Brasil e no mundo? Afinal, o aumento da produção como objetivo fundamental para incrementar o emprego e a renda disponível no bolso dos cidadãos não é uma política pública e um indicador inquestionável para convencer a população da melhoria do bem-estar e da qualidade de vida. Vamos ao passo a passo dessa questão.
Primeiro passo: No ano de 2008 o presidente da França, Nicolas Sarkozy, insatisfeito com a capacidade dos indicadores econômicos e sociais existentes, como PIB, somatório de toda a produção nacional, emprego total – sem maiores qualificações sobre a sua qualidade e estabilidade – consumo, impacto sobre o meio ambiente, estado da saúde, entre outros indicadores gerais da qualidade vida, solicitou a um grupo de eminentes pesquisadores a construírem uma comissão para avaliação das limitações desses indicadores para medirem o bem-estar e o ânimo da população: Joseph E. Stiglitz, da Universidade de Columbia (presidente da Comissão); Amartya Sen (Conselheiro da Comissão), da Universidade de Harvard; e Jean-Paul Fitoussi (Coordenador da Comissão), do Instituto de Estudos Políticos de Paris, IEP. Os professores redigiram o importante documento intitulado Relatório da Comissão sobre Mensuração de Desempenho Econômico e Progresso Social no qual chamam atenção para as severas limitações dos indicadores tradicionais de desenvolvimento socioeconômico que não atentam para o bem-estar social e as diferenças entre estratos sociais por origem racial, gênero, desigualdades regionais e sociais históricas, como no Brasil, entre outros. O texto integral foi traduzido pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e pode ser acessado na internet.
Segundo passo: A comissão propõe incluir indicadores específicos, além dos tradicionais como o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), e políticas públicas consistentes que incluam: 1) padrões da vida material (renda, estrutura de consumo e patrimônio); 2) saúde; 3) educação; 4) atividades pessoais, inclusive laborais; 5) poder de vocalização política e governabilidade; 6) interações sociais e governabilidade; 7) meio ambiente (condições atuais e futuras); 8) insegurança (tanto de natureza econômica quanto física). Em seu livro Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen propõe que os indicadores essenciais para avaliarem a consistência das políticas públicas devem considerar a liberdade de opção de escolha dos cidadãos. A privação de seus direitos, que inclui uma renda disponível abaixo da necessária a uma sobrevivência digna, não é o único indicador determinante da falta de liberdade dos cidadãos marginalizados. Existem outros indicadores igualmente importantes, como os oito que foram listados. As políticas públicas que não avaliam adequadamente as reais condições de vida dos cidadãos, não se restringem a aumentos do PIB, controle da inflação etc. são vistas com relativa indiferença pelo cidadão marginalizado.
Terceiro passo: A inconsistência das narrativas políticas é clara para a sociedade, quando enfrenta privações as mais variadas no seu dia a dia, resultante da falta de gestão convincente que resulta de interesses particulares e conflitantes internamente e entre órgãos da administração pública. Além do mais, há uma inter-relação complexa entre os fatores que marginalizam grupos diferenciados de cidadão. As políticas públicas têm de escrutinar as causas primárias dessa complexidade, para não estarem fadadas ao insucesso, como atesta a secular estabilidade da injustiça social no Brasil. É preciso considerar que somos hoje mais de 210 milhões de habitantes, muito além do 90 milhões da década de 1970 que alegremente festejavam: “pra frente Brasil”.
* Economista
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