Opinião

Preço irreal faz imóvel encalhar

Kênio de Souza Pereira *

Passado o boom imobiliário que findou em 2013, que foi caracterizado pela exagerada especulação dos preços, constata-se a natural redução decorrente da queima da “gordura” no período de 2015 a 2018. Os valores antes praticados eram ilógicos e não havia como se sustentar por muito tempo, apesar de ser justificável a alta dentro de certos limites, já que era necessária a recuperação dos valores que estavam estagnados desde 1996.

Ocorre que, muitos proprietários e alguns construtores parecem não entender que o cenário mudou, pois insistem em estabelecer preços acima da realidade de mercado.

O resultado são imóveis encalhados, muitos colocados à disposição para venda há mais de seis anos, gerando despesas com manutenção, IPTU, condomínio (além das quotas extras de reformas, em alguns casos), que somadas nesse período representam prejuízo expressivo.

Há ainda as despesas com limpeza, em especial, quando se trata de terreno, casa ou loja que, por ficar anos sem ocupação, transmite a ideia de o local ser um ponto comercial ruim.

É importante esclarecer que o mercado imobiliário é cíclico, que há períodos de alta, de estabilidade e de baixa. Todos os especialistas são unânimes em confirmar que nunca se viu antes aumentos tão excessivos no período de 2006 a 2013.

Passada a euforia, a partir de 2015, a situação mudou com o agravamento do desemprego, da queda de renda e da falta de confiança que é necessária para que os compradores assumam empréstimos de longo prazo.

As margens de lucro caíram, bem como a taxa Selic que em 2007 era 13%, o dobro da atual de 6,5%. No cenário atual, constata-se que mais de 90% dos imóveis que são vendidos, o desconto para fechar o negócio não passa de 5%, pois a maioria dos proprietários está motivada para a venda e aceita uma avaliação adequada.

Entretanto, a minoria que pede valores exagerados nem recebe contraproposta, pois o interessado na compra fica inibido em solicitar um desconto expressivo, que só se torna necessário em decorrência da falta de visão do vendedor que acha que seu imóvel é o mais precioso da cidade.

Não faz sentido alguns proprietários desejarem preço que venha a compensar as reformas que fizeram e que só atendem ao gosto pessoal deles. Há aquele que por gostar muito do seu imóvel, tendo ali vivenciado ótimos momentos, o supervaloriza.

Há corretor de imóvel que seduz o vendedor com uma avaliação alta para ser autorizado a promover a venda e assim estimula a ilusão de que encontrará um pretendente que se “apaixone” e pague mais do que vale. Na verdade não quer vender, mas sim fazer um ótimo negócio, só para ele.

Quando aparece alguém interessado e entra em contato direito com o proprietário, há aquele que pede um preço acima do que está anunciado na imobiliária, ou seja, estabelece o preço conforme a cara do pretendente. Só após alguns anos o vendedor percebe seu engano de insistir num preço absurdo e reflete arrependido por não ter aceito determinadas propostas.

O pretendente à compra pesquisa, avalia as diversas ofertas e não paga mais do que vale baseado na “paixão”. O bom senso e a razão falam mais alto, especialmente com o dinheiro escasso e com os imóveis não acompanhando nem a inflação nos últimos anos.

Para exemplificar a razão de muitos imóveis encalharem, como especialista e sendo diretor de imobiliária com 47 anos de existência, cito um exemplo real. Há apartamento adquirido por R$ 500.000,00 em 2007.

Ao ser aplicada a correção de 98% do INPC/IBGE (jan/2007 a fev/18), resulta hoje no valor de R$ 990.000,00. Entretanto, o proprietário pede R$ 2.150.000,00, ou seja, 330% a mais do que pagou, apesar da inflação ter acumulado 98%.

Qual bem subiu mais de três vezes a inflação? Nenhum, pois seria uma irrealidade! Se fosse aplicado o IGP-M/FGV esse índice teria acumulado em 13 anos 105% e a variação da Caderneta de Poupança 131%.

Já a correção total do CDI (Certificado de Depósito Bancário), que quase nenhum investidor consegue obter, no período de 13 anos acumulou 235%, que na prática é um grande resultado, sendo que sobre esse rendimento teria ainda que decotar a parte do imposto de renda.

Além disso, dessa rentabilidade deve ser retirada, ainda, a taxa de administração cobrada pelo banco

E o pior é que o vendedor insiste em ignorar que após 13 anos de uso ocorre a depreciação, os acabamentos estão gastos e desatualizados, e, no entanto, o proprietário continua comparando as condições do seu imóvel com o de um novo.

Seria produtivo que todo vendedor acessasse a internet e verificasse os fatores de atualização de correção dos índices que medem a inflação em geral e a rentabilidade da Selic/CDI, para perceber que comprar imóvel é um bom investimento, mas, sem exagero, ok, pois o comprador também sabe calcular e verifica as outras opções no mercado.

É importante o proprietário cair na real, fazer contas, pois quem coloca preço no imóvel não é ele, nem a imobiliária e nem o comprador, mas o mercado. A especulação e a ilusão têm limite.

*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado de MG e do Secovi-MG e Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

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