Opinião

Protagonismo do Brasil na transição verde

Protagonismo do Brasil na transição verde
Várias tecnologias podem contribuir para a agenda net-zero | Crédito: Adobe Stock

Sandro Raposo*

Quando vários países assinaram o Acordo de Paris no ano passado, se comprometendo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em um processo chamado de “descarbonização”, o mundo viu como uma excelente notícia. Enfim, pudemos dormir mais tranquilos de que haverá vida sobre a terra nos próximos séculos.

E mais, que o Brasil, com seu enorme potencial de descarbonização e tecnologias limpas irá ser beneficiado com geração de empregos e divisas. Isso é o que pode parecer para boa parte da população, mas a verdade passa longe disso.

No caso do Brasil, por exemplo, há o compromisso de zerarmos a emissão de carbono na atmosfera até 2050. Significa que qualquer empresa ou setor não pode emitir mais CO2 do que retirá-lo da atmosfera em seus processos ou deverá pagar uma taxa, seja comprando os chamados “créditos de carbono” ou assumindo um custo financeiro. Porém, isso requer regulamentação para uma série de questões, como a definição da “base line” de cada setor, ou seja, quanto as empresas daquele setor emitem atualmente para haver as metas de redução, e mesmo o que pode ser considerado como processo de descarbonização e quanto ele vale para se criar um mercado formal.

Ao redor desses temas, existem interesses comerciais que se misturam com mitos e ajudam a formar um ambiente nebuloso. No Brasil e nas relações internacionais.

Vou me aprofundar no setor em que atuo para explicar melhor – a siderurgia.

Existe um mercado promissor chamado “aço verde” ou “siderurgia verde”, sendo que o Brasil possui a primeira companhia certificada como aço verde do mundo, a AVB. Esse ineditismo foi possível, principalmente, ao se utilizar biocarbono originado de florestas de eucalipto plantadas para a produção do aço, diferente de outros processos que utilizam o coque (carvão mineral) ou energia elétrica.

A primeira questão é encontrar compradores que valorizem esse produto pelo fato de ser verde. Há muito discurso ESG nas empresas, mas poucas ainda recompensam financeiramente os fornecedores ESG. Isso deve levar tempo, eu imagino.

Ao mesmo tempo, a busca por energias limpas tem sido uma das mais intensas na questão da descarbonização, pois a queima de combustíveis fósseis é, sem dúvida, o grande emissor de CO2. O Brasil tem as melhores opções de fontes alternativas, renováveis, seguras e relativamente baratas para substituir a energia tradicional, mas também é um assunto que pode pender para um desconhecimento e prejudicar o desenvolvimento econômico-social do País.

Trata-se de um movimento silencioso e sem volta que pode colocar o Brasil como um hub mundial de descarbonização para produtos de baixa emissões CO2. O país tem recebido visitas de diversos países para entender as possibilidades e investir no Brasil, ao transferir parte de suas estruturas fabris para nossas terras, mas temos alguns entraves a vencer.

Vivemos um momento muito similar ao Proálcool, quando detínhamos a tecnologia para produzir o melhor substituto para a gasolina nos carros mas, por diversas questões, foi relegado a segundo plano.

Hoje fala-se sobre o hidrogênio verde como substituto do coque nas usinas. Assim como a energia elétrica em carros, pode ser uma boa opção para países europeus, mas não é tão eficiente quanto o etanol no Brasil, o hidrogênio verde perde em diversos requisitos quando comparado com o biocarbono produzido no País, matéria-prima nacional que possui grande escalabilidade, devido a uma vasta extensão territorial disponível para o plantio florestal. Nosso modelo de produção de energia com base em florestas plantadas, especialmente de eucalipto, é muito mais verde, pois essas árvores capturam enorme volume de CO2 atmosférico durante a fotossíntese, contribuindo com a descarbonização. Esse processo é conhecido e aceito pela ciência há décadas, mas, por questões econômicas, diversos países relutam em aceitá-lo na conta para se definir o grau de descarbonização ou criação do mercado de carbono. Se a resistência é contrária à base científica, a única explicação é o contexto econômico dessas nações, que não possuem o mesmo potencial agroflorestal do Brasil e tentam proteger suas indústrias.

Indústrias que sentirão a mudança em todo o mundo, inclusive no Brasil. A maioria das grandes siderúrgicas instaladas utilizam altos-fornos com queima de coque. Fazer suas transformações em altos-fornos de biocarbono não é econômica ou tecnicamente viável, o que forçaria à construção de novas estruturas totalmente novas. Nesse movimento, possivelmente algumas empresas fecharão e outras terão enormes gastos adicionais.

Trata-se de uma mudança e todas as mudanças desse porte requerem esforços de alguns e acabam prejudicando outros. O mais importante ao se pensar em longo prazo é que a maioria foi beneficiada e, preferencialmente, um benefício que garante a sustentabilidade do planeta e das empresas.

Fui perguntado se acredito que a siderurgia verde tem boas perspectivas. Minha resposta foi e continua sendo que “sim”, trata-se do único modelo viável no futuro e não há espaços para novos entrantes no modelo convencional. O que não podemos é permitir que o Brasil perca o prazo dessa mudança como fez com o Proálcool no passado. Espero que aquele erro sirva para nosso aprendizado como nação.

*Diretor de sustentabilidade, novos negócios e engenharia da AVB

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