Psicopatia e políticos
Carlos Perktold*
Não temos países inimigos, nem sofremos com conflitos étnicos. Por que não damos certo? Qual é a dificuldade?” Fernanda Young, “O Globo” de 28/1/19, p. 3.
No final de 2008 publiquei um livro “A Cultura da Confiança, do Escambo à Informática ou a História do Crédito no Brasil”. Para escrevê-lo, li sobre a história do Brasil em quantidade que nunca havia feito antes e o compreendi com o olhar psicanalítico. Depois de meses de leitura, entendi que, para mim, o nosso país era um cliente que, deitado no divã, relatava-me sua biografia de 508 anos com todas as vicissitudes deste longo e doloroso caminho. Em geral, é preciso várias sessões para saber porque o cliente tomou uma estrada pessoal ou profissional e não outra. Depois de muita leitura, compreende-se a biografia do Brasil como um paciente à procura de uma identidade, de um novo caminho, tal como no poema de Robert Frost “The road not taken”. Se no poema há na última estrofe a presença do livre arbítrio, cuja existência foi negada por Freud, para as colônias do Novo Mundo nunca houve essa oportunidade. Nunca houve escolha. As estradas delas eram determinadas pela Metrópole, pelo pensamento imposto na nova terra, pela ideologia dominante e pelo interesse do colonizador. Se este quer um novo país no qual “God” é mais importante que “gold”, o resultado será uma grande potência. A colônia britânica que se transformou nos Estados Unidos atual é o melhor exemplo dessa escolha, local onde os colonos procuraram um novo lar para se fixar.
Se for o contrário, quanto mais ouro ela der, menor será o interesse do colonizador de criar raízes, investir o que dela tirou e transformar a nova terra em moradia definitiva. O desejo será sempre de explorar ao máximo o local e voltar rico para o país colonizador. Pensamento ainda prevalecendo nesta Terra de Santa Cruz, na qual políticos mantêm enormes valores depositados no exterior.
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“God” e “gold” por certo são os primeiros motivos para responder a pergunta de Fernand Young com o qual abri este texto. O interesse de todos (é) era apenas no ouro e dane-se quem o fornecesse. A partir de 1822 achávamos que a independência faria toda diferença. Não fez. Em 1889 chegou a república quando o mau caráter da avassaladora maioria dos nossos políticos já estava consolidado pela longa existência de exploração da pátria entre a nobreza e os colonizadores. Aquela, cansada de dar tudo que tinha, ainda teve que enfrentar outros e novos políticos inescrupulosos na república, como Rui Barbosa com sua corrupção e a dos seus amigos banqueiros, consolidando o modelo da nobreza. Aqui surgiu a casta dos políticos republicanos, a nova nobreza. Rui aproveitou do País com medidas inacreditáveis e ridículas sob qualquer ponto de vista na sua época e hoje, lesando o País e enganando o presidente. O “encilhamento” foi motivo de piada pelo mundo. Mas as decisões impostas pelo então ministro da Fazenda foram muito vantajosas financeiramente para ele. Depois de catorze meses foi demitido, mas o estrago já estava feito. Foi a mesma história, mais de cem anos depois, na qual presidentes eleitos e durante catorze anos, devassaram o Tesouro nacional, as empresas e bancos estatais e fundos de pensão. Depois desses anos não foram reeleitos, mas o estrago já estava feito.
Durante todos esses 518 anos vividos pela nação brasileira, houve poucos, muitos poucos políticos que pensaram no País como uma mãe que, depois de ter garantido a criação e o enriquecimento de tantos filhos, fosse cuidada por eles. Sempre prevaleceu a ingratidão filial e a ideologia de que essa mãe fosse a eterna provedora de “gold”, agora representado pelas licitações forjadas, superfaturamento, roubalheiras descaradas nos cofres da velha senhora que, distraída, não se importava mais, por que ela conhece o caráter de seus filhos pretensamente ilustres. Essa mesma senhora de vez em quando olha perplexa para seus descendentes e, paralisada, pergunta se há um único deles capaz de inverter a exploração maternal e depositar algo de bom no seu ventre sofrido e vilipendiado. Os ilustres filhos psicopatas e sedutores buscam cargos que lhes deem oportunidade de roubar mais, querem locais de trabalho que funcionem como se fossem lupanares para encontros furtivos entre o ouro e a ganância.
Com sábia senhora que já viu de tudo na vizinhança, sabe também que enquanto não houver um choque fraternal suficiente para derrotar o caráter daqueles que escolhem as perversas estradas pelas quais a mãe transitará, não haverá resposta para a pergunta da jornalista. Qual choque? Aquele que houve em todas as grandes nações e que ainda não tivemos: um embate sério entre os irmãos Cainita e os acólitos de Abel. E que, quando isso ocorrer, Caim seja derrotado.
- Psicanalista e escritor
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