Reações vigorosas, mudanças difíceis

“A ‘legítima defesa da honra’ é odiosa e cruel.” (Ministro Dias Toffoli, do STF)
A contraofensiva dos setores que se opõem às nefastas manifestações preconceituosas e machistas, mormente em tempos de agora, é crescente e vigorosa. Vale-se de conceitos que realçam os atributos femininos. Essas reações assumem, por vezes, feição poética, tipo “Tirante a mulher, o resto é paisagem” (Dante Milano).
Noutras situações, exprimem bons propósitos, não colocados em prática conforme as circunstâncias, pelo menos em extensão ampla. Caso, por exemplo, desta proclamação de Anatole France: “A mulher é a grande educadora do homem”. Cabe apropriar-se, nesse contexto, de uma exaltação terna anotada no “Livro dos Cantares”: “Mulher é uma graça, espanta melancolias e consola mágoas”. Apesar das louvações, o mundo continua a girar com suas imperfeições atávicas e amalucadas discriminações.
Todos estamos calvos de saber não ser fácil mudar as coisas. Numa passagem do filme “O Leopardo”, o personagem central (Burt Lancaster) aconselha os nobres italianos, seus súditos, apavorados diante da chegada de Garibaldi ao poder, a que “mudem alguma coisa, para não mudar coisa alguma”. A história das conquistas sociais costuma revelar que o citado Príncipe Salinas podia ser um tremendo dum cínico, mas entendia pacas das imperfeições da alma humana.
João XXIII tinha razão. A batalha pela emancipação feminina é uma das mais importantes revoluções dos tempos modernos. Mas há muitas coisas ainda a fazer. Algumas óbvias, por demais. Aparentemente, banais. Mas de indiscutível relevância no cotidiano. Passam ao largo das preocupações rotineiras. A mulher do lar, em todos segmentos, é deixada, por vezes, à margem dos negócios de interesse familiar conduzidos pelo marido. Superprotegida e complacente, inserida em figurino tradicional, sente o mundo desmoronar quando colocada frente a decisões cruciais reclamadas por fatores inesperados. É ainda significativo o percentual de casos em que informações essenciais, de caráter prático, referentes a investimentos, transações negociais, deixam de ser, displicentemente, talvez por toque machista inconsciente (ou não), compartilhados na vivência conjugal. A mulher, óbvio, fica no prejuízo.
Expressamos, linhas atrás, não ser fácil mudar as coisas. Decisão recente no âmbito do Supremo Tribunal Federal serve para ilustrar o que se afirmou.
O ministro Dias Toffoli arguiu, em parecer de enorme repercussão, a inconstitucionalidade da tese – que muitos supúnhamos já sepultada – da “legítima defesa da honra”. O magistrado explicou, pra surpresa de muita gente, que a tese em foco, continua sendo usada com frequência, encontrando muitas vezes acolhida na Justiça, por acusados de feminicídios ou de agressões contra a mulher.
Palavras de Toffoli: “Apesar da alcunha de legítima defesa, instituto técnico jurídico amplamente amparado no direito brasileiro, a chamada ‘legítima defesa da honra’ corresponde, na realidade, a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado por defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e perpetuação da cultura da violência’ contra as mulheres do Brasil.
Por inacreditável que seja o falso instituto da “legítima defesa da honra” tem sido utilizado, nesses nossos tempos de alardeada expansão da consciência segundo ditames humanísticos e espirituais, para assegurar a liberdade, em júris populares, de réus acusados de assassinato. Vem daí a importância de que se reveste a decisão de agora do Juiz da Suprema Corte.
A conclusão destas considerações fica para artigo vindouro.
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