Revolução ou transformação?

Tilden Santiago
Li e reli, com interesse e atenção, “Da Revolução à Revolta!”, publicado na Folha (26/10), artigo assinado pelo sociólogo e doutor em Geografia Humana, Demétrio Magnoli. Chamou-me a atenção por causa do articulista cujos textos sempre leio. E pelo conteúdo, por enfocar assunto de extrema atualidade na mídia e que me moveu nos anos 60 e 70, nos tempos de Yasser Arafat no Oriente Médio e de Carlos Marighella e João Amazonas no Brasil, São Paulo e Nordeste e na Cuba de Fidel, onde fui embaixador de 2003 a 2007. Impossível viver 4 anos em Cuba sem ouvir falar e dialogar sobre revolução.
O texto é ótimo, especialmente quando analisa a causalidade e os motivos que embalam as manifestações de rua na França, Quito, Santiago, Bolívia, Argentina, Peru, Líbano, Iraque, Síria e Hong-Kong. Nesse item da causalidade dos acontecimentos, interessantes as referências à Casa Branca, Cuba, Venezuela, Foro de São Paulo e a análise da coincidência temporal, salientando as histórias singulares dos diferentes países sacudidos pelo vendaval social.
O articulista nos leva a entender a centelha da revolta em todos os casos. (Brilhante!). E os alvos principais dos manifestantes, que ocuparam as ruas, contando com expressivo e intenso apoio popular. O olhar político de Magnoli sabe que não são levantes espontâneos – sublinhando com precisão o advento e o papel das redes sociais e o recuo, inércia e ausência dos partidos políticos.
Dito isso, por justiça com Demétrio Magnoli, ouso fazer algumas observações e reações pessoais. No seu lugar, meu título seria outro: “Das Revoltas à Transformação” e o subtítulo: “Governos e partidos nascem e morrem das urnas; e das ruas podem nascer revoltas e mudanças históricas”. É que a institucionalidade que emerge das urnas, tem levado seus atores não só à corrupção, mas à sepultura da política e afastamento do povo.
A leitura de Edgar Morin e do Movimento dos Indignados na Europa e nos EUA e algumas décadas de caminhada “tentativa” com os pobres, excluídos e trabalhadores e com coletivos que se diziam “revolucionários” me levaram a questionar a eficácia e oportunidade da palavra e do conceito “Revolução”. Prefiro o termo de Edgar: “Transformação”. Algo mais possível de ser pensado e executado historicamente do que a “venerável senhora”, como Demétrio descreve a Revolução, o maior dos mitos modernos, que levantou-se da cadeira de balanço. Quem dera amigo Demétrio, que isso sempre acontecesse! Esse mito “Revolução” continua, após a Guerra Fria, a iludir pobres na sua “dédtrèss” existencial e causar temor nos ricos e poderosos, que detêm um arsenal bélico capaz de destruir a vida na terra, permitindo ao capital navegar e nadar de braçada, como dominadores absolutos do mar da história, sem o fantasma do socialismo real.
Transformação – lenta, gradual e segura – na esteira da “evolução” – construída por gente rebelde nas ruas, mas também no cotidiano da vida, na sociedade, através da escola, educação popular, da vivência comunitária, das espiritualidades, das culturas, da ciência, gestando permanentemente uma “Nova Política”.
Transformação em vez de Revolução – é o que aprendi em décadas de lutas e da leitura de Edgar Morin, o indignado de 94 anos, judeu, que aos 17 anos “resistiu” ao nazismo nas montanhas da França e depois lutou pela democratização da Europa e do mundo, na intelectualidade e através do Partido Comunista Francês (PCF). Nas últimas décadas, defende o “conceito e a prática” da transformação nas urnas e nas ruas através do Movimento dos Indignados e na vivência intelectual e literária do mundo contemporâneo.
*Jornalista, embaixador e filósofo
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