Opinião

Salve o livro (II)

Carlos Perktold*

Retifica-se aqui a informação dada no primeiro texto publicado nesta página há dias, na qual queixei da Dona Internet e atribuí apenas a ela o meu caminho à extinção. Fui injusto. Ela não é a única responsável pelas estradas cheias de abismos que ando caminhando. A cópia xerox também ajudou muito a destruí-las e a construí-las e, desculpe-me, a classe toda, os professores contribuíram para a criação de minha irmã bastarda, a xeroteca. Nascida com o DNA do furto autoral com a preguiça intelectual, ela cresce sempre que os professores informam aos alunos qual o capítulo será exigido na prova mensal e que ele está disponível “na copiadora da escola” para reprodução. Por que não me recomendam por inteiro? O resultado é que, ao final do curso, o aluno tem literalmente uma montanha de cópias de capítulos de meus irmãos e nenhum de nós inteiro. Qualquer curso e em especial o de graduação universitária deveriam ser os meses ou anos de se organizar uma biblioteca e vê-la crescer ao longo da vida profissional, facilitando as pesquisas do segmento de cada um.

Entendam que não sou contrário à cópia por inteiro ou de partes de alguns dos nós. Já imaginaram ter cópia em cores de um incunábulo, ilustrado por um desses artistas que ficaram incógnitos, mas deixaram um acervo artístico de dar inveja a qualquer pintor modernista? Vi um desses meus irmãos antigos sendo vendido por uma fábula. Páginas ou vários familiares meus copiados sobre uma mesa de estudo não são meus inimigos. Pelo contrário. Há horas que um inimigo pode se tornar um amigo.

Há um deles que oxigena, circula pelo meu corpo e me deixa feliz: o leitor. As pessoas sabem que eu e ele somos um par romântico, daquela fase antiga do “eu não vivo sem você”. Gosto de viajar com ele, vê-lo me abrindo para leitura ou, quando ele é mais estudioso, grifando as frases mais importantes de qualquer página. Alguns deles marcam páginas inteiras por acharem-nas fundamentais no caso de eu ser honrado com a releitura, mesmo que rápida. Não há um só irmão meu ou biblioteca que aguente apenas a minha compra e a ausência desse meu par.

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Quando os autores escrevem, estão à procura de leitores e ainda esperam um comentário depois da leitura, uma resenha, uma crítica ferrenha ou até mesmo um elogio por que ninguém aguenta só ser criticado maldosamente ou ser ignorado. Quando necessário não me importa que esses leitores sejam desrespeitosos comigo. Não sou intocável, nem fui criado para ficar guardado nas estantes e ser virgem de leitura durante a minha existência.

Ninguém gosta disso e eu menos ainda. Conheci um leitor que andava de ônibus lendo e jogando pela janela as páginas já lidas. É desse desrespeito que falo. Sei que alguns de nós somos muito bonitos, mas não podemos apenas servir como objeto de decoração, como se fosse um móvel ou um quadro na parede. Tenho irmãos tão bonitos que ajudam na decoração da sala, mas ficariam lindos se exibissem também o quanto foram lidos.

Infelizmente esse meu par sem o qual eu não vivo, anda tão escasso que deveria entrar na lista dos animais em extinção do Ibama. Quem sabe, amparado por essa instituição eu teria a proteção mais que merecedora e o leitor poderia se multiplicar tão rápido como fazem os coelhos?

  • Psicanalista e escritor

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