Opinião

Seriam a renda mínima e o combate à desigualdade focos sociais da estratégia ESG?

Seriam a renda mínima e o combate à desigualdade focos sociais da estratégia ESG?

Tiago Fantini*

Em 28 de maio de 1968, o NYT publicou uma carta subscrita por 1.200 economistas americanos ao Congresso, dentre eles John Kenneth Galbraith, Harold Watts, James Tobin, Paul Samuelson e Robert Lampman, com o seguinte título e mensagem: “Economistas pedem renda garantida: o país não terá cumprido a sua responsabilidade enquanto todos nesta nação não tiverem a garantia de uma renda acima da definição oficialmente reconhecida de pobreza”.

Talvez não seja possível pensar num modelo socioambiental sustentável se o sistema no qual este modelo será aplicado é insustentável. Há uma “crença simplória e estranha de que os mercados são entidades estáveis, sólidas e confiáveis, que se autorregulam”. Achava-se que o capitalismo do século XXI “[…] se regulamentaria por conta própria, mantendo-se perto de um estado de equilíbrio firme e autoajustável” (Roubini). O decadente capitalismo internacional, individualista, pós-Primeira Guerra, “não é um sucesso, não é inteligente, não é belo, não é justo, não é virtuoso – e não produz bens…Mas quando pensamos sobre o que pôr em seu lugar, ficamos extremamente perplexos” (Keynes). Procuram-se caminhos “de como reformar um capitalismo que em vez de produzir os bens de modo consistente e estável produziu crises em série” (Roubini). À octogenária lista apresentada acima, acrescentam-se duas características: não é sustentável, nem consciente. Indubitavelmente, o capitalismo é uma máquina eficiente na geração de desigualdades: centraliza a riqueza e socializa o sonho (Frei Betto e Leonardo Boff).

Se o capitalismo abriu as portas da abundância, sozinho, não consegue sustentá-la, para todos. Se progresso é igual à prosperidade econômica, devemos ajustar o significado de “viver bem”, permitindo que este status seja estendido indiscriminadamente e incluindo nessa equação aquilo que nos viabiliza na Casa Comum (Encíclica LaudatoSí).

O atual momento nos cobra um mundo não apenas ambientalmente seguro, mas, também, socialmente equilibrado. A ideia de uma renda básica para o cidadão que se encontra na (ou abaixo da) linha de pobreza, que permitiria a ele reais escolhas, com efetiva autonomia e liberdade, é polêmica.

Conforme dados do Ipea de fevereiro de 2023, a população em situação de rua no Brasil, que tem acesso ao SUS, desde 2010, cresceu 38% entre 2019 e 2022, quando atingiu 281.472 pessoas. Sabemos todo o custo, além do social? Qual a melhor solução para esse grupo?

Argumenta-se acerca da preguiça, da indolência, da incapacidade de um indivíduo pobre de poupar ou, ainda, do destino que ele dará ao dinheiro. Muitos estudos (Inglaterra, EUA, Uganda, Namíbia, Libéria, Canadá), no entanto, mostram uma realidade diferente quando uma renda mínima é disponibilizada, sem contrapartida, fazendo-se uma única pergunta ao indivíduo: “do que você acha que precisa (Bregman)?” E o resultado prático, com a recuperação da autoestima, tem sido surpreendente, além da economia para o Estado quando comparado com o enfrentamento tradicional a essa crise.

Constatou-se que pessoas voltaram a estudar; buscaram clínicas de reabilitação; se hospitalizaram menos; voltaram a procurar os familiares e fizeram planos para o futuro; reformaram casas; abriram pequenos negócios. Localidades perceberam a diminuição da desnutrição, da evasão escolar, da violência doméstica e das queixas sobre a saúde mental. A renda básica permitiu aos pobres se liberarem do assistencialismo, estimulando-os na busca de empregos com possibilidades de crescimento pessoal e profissional (Bregman).

Pesquisadores da Universidade de Manchester resumiram os benefícios de programas desta natureza: 1) bom uso do dinheiro; 2) diminuição da pobreza; 3) benefícios de longo prazo para renda, saúde e receita em impostos etc.; 4) menor custo destes programas em face das alternativas (Barrientos e Hulme). Como enfatiza o economista Joseph Hanlon, “a pobreza é fundamentalmente uma questão de falta de dinheiro. Não de estupidez” (Hanlon).

O Brasil, também, tem a sua estratégia concentrada no “Bolsa Família”. O governo pagou o benefício em janeiro/23 para 21,9 milhões de famílias e o valor médio recebido por família foi de R$ 614,21. Estudos estão sendo feitos para aumentar o valor atual do Bolsa Família para além dos R$ 150 adicionais aos R$ 600 já pagos (com crianças de até seis anos). Impossível discordar sobre o quanto estes valores são fundamentais para quem os recebe. A questão que se coloca é até que ponto eles conseguem atingir os benefícios citados acima (ou quais deles são atingidos). As métricas estão ajustadas?

Hoje discutimos o Capitalismo Consciente e uma nova maneira de vivenciar as relações sob o prisma social, mas, ainda, de forma restrita. É tempo, portanto, de abrir o debate e voltar a fazer uma velha provocação a partir da experiência dos modelos testados, com novos olhos, menos preconceituosos e mais atentos aos verdadeiros aspectos sociais que nos cercam. Com a autonomia e liberdade recuperadas espera-se, também, menor dependência de pessoas na linha de pobreza e maior economia para o Estado. Que o senso de urgência nos acompanhe neste debate, que transcende ao público e atinge diretamente a sociedade.

*Conselheiro da Filial Regional do Capitalismo Consciente em Belo Horizonte, Professor Universitário, Doutor em Direito Privado pela PUC-MG, Mestre em Direito Empresarial pela UFMG, Conselheiro de Empresas, certificado pelo IBGC e pela FDC.

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