STF derruba cobrança de taxa irregular de condomínio fechado

Kênio de Souza Pereira*
Em 18/12/20, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o tema 492 e decidiu ser inconstitucional a cobrança de taxas de condomínio pelas associações que administram loteamentos fechados dos proprietários de lotes e casas que não se associaram ou que não tenham tal obrigação registrada nas matrículas dos lotes junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
O Recurso Extraordinário nº 695911 foi autuado no dia 19/06/12 no STF, tendo demorado mais de oito anos para que fossem analisadas as manifestações de diversos amicus curiae (amigos da corte), dentre eles o Secovi-SP, a Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro e a Associação Nacional de Vítimas de Falsos Condomínios – Anvifalcon. O STF ao apreciar o tema 492 de repercussão geral fixou a seguinte tese:
“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis”.
Dessa forma, o STF consagrou a liberdade constitucional do Direito de Associação, confirmando assim a posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em março de 2015, ao reunir a 3ª e 4ª Turmas na Segunda Seção, em sede de recursos repetitivos, julgou os Recursos Especiais nº 1.439.163-SP e n.º 1.280.871/SP, que fixou tese semelhante no Resp nº 1.439.163-SP, que determinou: “Para efeitos do art. 543-C do CPC, firma-se a seguinte tese: “As taxas de manutenção criadas por associações de moradores não obrigam os não associados ou os que a elas não anuíram”.
Cobranças abusivas tendem a desaparecer – Durante décadas, grupos pequenos, por exemplo, com 20 ou 40 proprietários criavam uma associação e conseguiram receber taxas associativas de um loteamento formado, por exemplo, 500 lotes, por meio de cobranças que constrangiam, sendo que muitos pagavam a taxa por ser um valor pequeno, por desconhecimento de que ela era facultativa ou para evitar despesas com advogado.
Entretanto, aqueles que não pagavam foram processados e diante da defesa ruim, que não esclarecia a ilegalidade da cobrança por inexistir condomínio regularizado e por não ser associado, muitos eram condenados pelo poder Judiciário com base na alegação do enriquecimento sem causa, fundamentado na ideia de que os serviços beneficiavam a todos do loteamento.
Com o passar dos anos essa visão simplista gerou o aumento do volume de processos, o que motivou os ministros da 3ª e 4ª Turma do STJ a uniformizar a jurisprudência, tendo em 2015 consagrado que prevalece o art. 5º, inciso XX, da CF que determina:“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Supremo abordou Lei nº 13.465 de 2017 – Somente em 2017, foi publicada a Lei nº 13.465, que introduziu no Código Civil o artigo 1.358-A que regulamentou o “Condomínio de Lotes”, bem como acrescentou à Lei de Parcelamento do Solo, nº 6.766/79 o art. 36-A que passou a ter sua interpretação distorcida por aqueles que desejam cobrar taxas de quem não era associado.
No RE 695911 julgado em 18/12/20, o STF confirmou o entendimento firmado em 2015 pelo STJ, tendo ainda esclarecido os limites da Lei 13.465/2017. O STF afirmou ser frágil a alegação de que o dono de imóvel, mesmo não associado, deve contribuir por solidariedade, por ter seu patrimônio valorizado pelos serviços e para evitar o enriquecimento sem causa. Para o STF, essas regras ou princípios são infraconstitucionais, portanto, inferiores aos princípios constitucionais que consagram que ninguém pode ser obrigado a se associar, sendo necessário tal ato ser formal e inequívoco.
O STF destacou: “Em verdade, é o princípio da legalidade o instrumento de sopesamento constitucional ao princípio da liberdade de associação. De um lado, assegurando que obrigação só é imposta por lei; de outro – e por consequência – garantindo que, na ausência de lei, não há aos particulares impositividade obrigacional, regendo-se a associação somente pela livre disposição de vontades. Dito de outro modo, ante a ausência de obrigação legal, somente o elemento volitivo manifestado, consistente na anuência expressa da vontade de se associar, pode vincular as partes pactuantes e gerar para as mesmas direitos e obrigações decorrentes da associação”.
Ficou claro que não tem valor a convenção particular, que foi apenas protocolada no Ofício de Registro de Imóveis (não foi registrada definitivamente de forma a vincular as matrículas individualizadas dos lotes e criar obrigação propter rem) ou que foi registrada de forma errada, no Ofício de Títulos e Documentos. Este cartório não é o correto dar publicidade de maneira a conceder os efeitos erga omnes, isto é, para ser oponível contra terceiros como previsto no art. 1.333 CC é essencial a convenção ser registrada no Ofício de Registro de Imóveis.
Diante da posição unificada do STF e do STJ, caberá aos Tribunais Estaduais seguir a orientação de que os condomínios fechados, sem a convenção devidamente registrada nas matrículas dos lotes no Cartório de Registro de Imóveis, que estabeleça o dever de pagar taxa de condomínio não terão direito de exigir o pagamento judicialmente e que as associações que gerem os serviços dos loteamentos fechados somente poderão cobrar dos proprietários dos imóveis que tiverem aderido ao seu Estatuto de maneira formal e inequívoca.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG ([email protected])
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