Tiros sem pontaria

Em anos recentes, os preços de automóveis de produção nacional sofreram majorações significativas e isso aconteceu num período em que houve também, para parcela significativa da população, perda de renda e escalada do desemprego. O resultado dessa combinação não poderia ser diferente do que se constata agora, com queda relevante nas vendas, capacidade ociosa na produção e até mesmo, da parte das montadoras, sinais concretos de desinteresse em investimentos locais. Sendo o setor de material de transportes uma espécie de vitrine da indústria, a situação descrita abala e ao mesmo tempo provoca reações que em outras áreas não acontecem, pelo menos não, com certeza, na mesma intensidade.
É o caso, agora, do anúncio de mecanismos, centrados em redução da carga tributária, que sejam incentivos para a produção e consumo de modelos ditos “populares”. Embora sejam modestas as ofertas prometidas, na prática implicando em redução de preços que à primeira vista não parecem bastante para levar maior número de consumidores de volta às lojas, a novidade foi bem recebida e as montadoras já se movimentam para ampliar a oferta de modelos que se enquadrem no programa. É esperar para ver o que acontece, o que não implica em deixar de apontar algumas questões relevantes.
Sim, os automóveis nacionais ficaram mais caros nos últimos anos, mais distantes portanto dos bolsos da maioria dos consumidores, com os preços mais baixos já bem próximos de atingir a barreira dos R$ 100 mil. Portanto, considerada a renda média, completo desatino tentar encontrar algum modelo que de fato possa ser definido como “popular”. Não há como negar também que as montadoras foram ágeis na correção de tabelas, provavelmente além do justo e devido, assim como claramente buscaram a direção de modelos mais sofisticados, de maior valor agregado e mais rentáveis. Também cabe registrar que no período foram incorporados aos veículos, por imposição legal, melhorias, principalmente relativas à segurança como air bags, controles de tração etc. cujo custo final passou a compor os preços.
Conhecer a realidade será sempre, por óbvio, o passo inicial para que ela possa ser modificada e a questão em discussão não escape dessa verdade elementar. E não parece ser o caso da decisão hora comentada, cujo impacto não nos parece que venha a ser relevante, conforme alguns sorrisos largos exibidos entre a cadeia de produção e vendas de automóveis. Como exercício talvez fosse mais relevante, nesse momento, avaliar o que poderia ser feito para melhorar a renda, nesse caso com aspectos que seriam mais abrangentes, além de adequar a oferta, no seu todo, à capacidade do mercado.
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