Opinião

Transformação ou revolução

Transformação ou revolução
Foto: Reprodução

Tilden Santiago*

A história humana segue seu trajeto, sem vislumbrar o fim das “crises cíclicas” que acabam consubstanciando a via-crúcis real das nações e dos indivíduos, especialmente os excluídos. O liberalismo, o socialismo, a social-democracia, o privaticismo, estatismo e outros “ismos” tocam suas trombetas, ora parcialmente, ora no todo, como se fossem arautos da “egalité” sonhada pela Revolução Francesa e por Marx ou do fim do “mal-estar do mundo” tão genialmente diagnosticado por Freud. É que a vida é feita de luzes e sonhos e só nos resta entender e agir dentro da sabedoria de Guimarães Rosa: “A única coisa que a vida exige de nós é a coragem”.

Há um bom tempo, o modo de produção capitalista tem hegemonizado, através da acumulação de riqueza e sua concentração, os passos tanto do capital, os proprietários dos meios de produção, como dos que compõem a força de trabalho. Seu esplendor foi fulgurante a partir do mercantilismo, trazendo avanços, mas que acabou gerando os males do colonialismo na África, na Ásia e nas Américas, que nasciam vigorosos. 

O Liberalismo ganhou expressões diferenciadas, no tempo, seja quando imperou o conceito de “Nação”, seja na globalização, que facilitava a operacionalidade das multinacionais, por toda parte, em detrimento da Nação, sua identidade e seu povo. E agora com os ventos soprados por Trump e a direita mundial, as contradições internas se acirram e se multiplicam, com o fogo amigo se tornando um risco maior para eles mesmos do que a rebeldia dos excluídos. Há uma tentativa de restaurar a força de um nacionalismo diferente que não aponta para o vigor de cada Nação.

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Durante a Guerra Fria, a luta de dominação hegemônica dos EUA com a União Soviética exacerbou, através de uma “bipolarização insensata” e desumana, o abismo entre os defensores do capital e do trabalho. Com o fim da URSS, a queda do muro de Berlim e o ocaso do socialismo real (inclusive graças ao Papa João Paulo II – este escriba é sacerdote há 52 anos), a sucessão enfadonha de “crises cíclicas” continua a apunhalar a sociedade humana com consequências no âmbito da ecologia, da cultura e da espiritualidade. Só não digo da ciência porque dizem por aí que as guerras são a grande escola da vida, sendo elas a expressão máxima das crises e das injustiças. Só quem não viu de perto uma “guerra” pode afirmar besteira tão grande.

No alvorecer do atual milênio, na América Latina, a história parecia ganhar um novo impulso favorável aos excluídos. No Brasil, um grande líder sindical, retirante do Nordeste é eleito presidente. Na Venezuela um mulato militar também é eleito. Na Bolívia, um indígena! No Uruguai, um comunista, o Paraguai, um bispo da Teologia da Libertação. No Chile, Argentina e Brasil, mulheres ascendem ao cargo mais alto. No Equador um intelectual de classe média.

Importante ressaltar que tudo foi acontecendo, através de eleições. Entendo que isso só sucedeu, por uma mudança de estratégia tanto das esquerdas latino-americanas como de Cuba, trabalhando uma nova concepção de “transformação” – lenta, gradual e segura –  e não mais de exportação do conceito e da prática da  revolução.

Parecia até que tinham lido as ideias de Antonio Gramsci, geradas nos porões da ditadura fascista italiana e/ou de Edgard Morrin, que aos 94 anos lidera o Movimento dos Indignados na França, na Espanha, na Europa e no mundo.

Esse escriba foi embaixador do Brasil em Havana de 2003 a 2007. Era um lugar estratégico para observar e debater o que se passava na América Latina, Central e no Caribe. E agora, o desafio para nossa inteligência e coração esperançoso são os retrocessos inclusive e especialmente o que se passa na Venezuela, que visitei por várias vezes, além do Haiti, onde estavam nossos soldados, da República Dominicana, Colômbia, Panamá e Antygua e Barbuda.

Não eram poucos os teóricos latino-americanos que passavam pela ilha e especialmente os cubanos, dos quais discordava, quando consideravam Lula e Chávez como autênticos revolucionários.

Houve avanços sim, é verdade, mas não mudanças estruturais, permanentes, que marcassem profundamente a história latino-americana e do planeta. Talvez tenham adiado jogando para nós, que sobrevivemos, da grande tribulação permanente, que atinge a sociedade, a luta por reais transformações e não apenas eleitorais e institucionais em nossa caminhada histórica. Urge refundar o impulso histórico da “Transformação”, da real evolução da humanidade e não da “Revolução”, como ainda pensam alguns. Mas esse é assunto para outros artigos.

*Jornalista, embaixador e militante

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