Opinião

Tribunais Superiores, só no nome?

Tribunais Superiores, só no nome?
Crédito: Ricardo Moraes/Reuters

Felipe Mello de Almeida*

Os temas jurídicos não podem ser tratados como uma ciência exata, pois dependem de interpretação pessoal e, por este motivo, a solução de uma mesma demanda pode ser diferente. Muito embora gere desconforto para muitos, sem dúvida esta é a maior beleza das questões jurídicas.

Neste contexto, para evitar a distribuição de injustiças, foi instituído o duplo grau de jurisdição, que garante a possibilidade de revisão das decisões proferidas em primeiro grau por um colegiado, nos tribunais. Para aumentar a organização da justiça, existem, ainda, os Tribunais Superiores, sendo que o Superior Tribunal de Justiça visa garantir o cumprimento da Legislação Federal e o Supremo Tribunal Federal o texto constitucional.

Na tentativa de garantir maior segurança jurídica, os Tribunais Superiores editam súmulas, especificando os entendimentos consolidados, evitando que demandas repetidas tenham decisões diferentes. As súmulas servem, ou deveriam servir, ainda, de norte para as instâncias inferiores.

Com a intenção de aumentar a segurança jurídica, o Congresso Nacional, em 2004, criou, no âmbito do no Supremo Tribunal Federal, o instituto da “Súmula Vinculante”, regulamentada pela Lei 11.417/2016, que obrigatoriamente deve ser cumprida por todas as instâncias. Assim sendo, por lógica, os magistrados de instâncias inferiores, sobretudo nas matérias que beneficiam os jurisdicionados, devem se curvar às súmulas emanadas dos Tribunais Superiores. Caso contrário, existirá uma enxurrada de demandas repetidas nestes Tribunais.

Por óbvio, quando um magistrado de uma instância inferior decidir de forma contrária ao entendimento sumulado por um Tribunal Superior, serão interpostos recursos, na tentativa de ver reconhecido o posicionamento mais benéfico, nos termos das referidas súmulas.

Acerca desta questão, recentemente, o Ministro do Superior Tribunal Rogério Schetti Cruz externou seu inconformismo sobre o tema, afirmando que, ao “simplesmente ignorar, ou melhor, desconsiderar” a jurisprudência dos Tribunais Superiores, o Tribunal de Justiça de São Paulo gera uma gigantesca demanda desnecessária, com mais 60% de concessões de recursos.

Diante destas críticas, em nota, do Presidente da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo contrapôs que o Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Guilherme Strenger, “jamais se curvará a pressões ou permitirá que membros de quaisquer Poderes da República venham atacar a independência funcional de seus magistrados, podendo-se afirmar, em analogia ao conhecido conto do Moleiro de Sans-Souci, imortalizado por François Andrieux, que, seguramente, ainda há juízes em São Paulo.”

Curioso ressaltar aqui a utilização do conto “O moleiro de Sans-Souci”, no qual, em resumo, consta que o Rei, Frederico II, incitava o moleiro com o objetivo de desapropriar-lhe seu moinho de vento, pois atrapalhava a paisagem de seu castelo. O humilde moleiro resistiu às ameaças afirmando que “Ainda há juízes em Berlim”. Diante disso, intimidado, o rei recuou, prevalecendo a força da Justiça.

Ao que parece, o Tribunal Estadual tenta se valer da força da Justiça, no entanto com a premissa inversa do referido conto. Diga-se isso, pois, as decisões criticadas pelo Ministro Rogério Schetti Cruz impõem condições mais gravosas aos jurisdicionados, como, por exemplo, a aplicação automática de regime incompatível com a pena aplicada, em desrespeito às decisões dos Tribunais Superiores.

Resta claro que a crítica não ecoou muito bem no Tribunal de São Paulo. No entanto, a questão deve ser amadurecida, propiciando um aprimoramento na distribuição da justiça. Mesmo porque as matérias em questão já foram exaustivamente discutidas nos Tribunais Superiores e, portanto, possuem conclusões definitivas e sumuladas.

Tanto é verdade que, em outra oportunidade, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro João Otávio Noronha, também se manifestou sobre o tema, afirmando existir “uma quantidade enorme de decisões condenatórias proferidas pelo TJ-SP ao arrepio de súmulas do STJ e do STF. Dizer que súmula do STJ não tem força vinculante é simplesmente fazer tábula rasa do papel constitucional dos tribunais superiores… Isso faz com que o índice de habeas corpus seja muito grande, tanto no STJ quanto no STF. É necessário rever esse posicionamento”.

Diante destes fatos, deixando as vaidades de lado, é de suma importância reconhecer que as trocas de farpas em nada contribuem para a distribuição da justiça. Evidente que as questões de menor relevância não deveriam chegar aos Tribunais Superiores. No entanto, para a nossa sorte, essa possibilidade existe, pois as instâncias ordinárias, conforme externou o Ministro Schietti, insistem em não aplicar os entendimentos pacificados nos Tribunais Superiores.

Não se pode olvidar que em diversas decisões, como nos temas atingidos pelas súmulas vinculantes, o magistrado exterioriza sua convicção pessoal, entretanto se curva ao posicionamento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal. Nada mais natural, tendo em vista que, como dito, as súmulas vinculantes advém de diversos julgamentos e devem ser obrigatoriamente cumpridas.

A lógica, utilizada para as súmulas vinculantes, deve prevalecer para as demais. Não existe qualquer razoabilidade para que o magistrado contrarie as súmulas dos Tribunais Superiores, sabendo que sua decisão será reformada, com mais razão quando este comando impuser prisão ou aplicação de regime para cumprimento da pena de forma mais grave.

O confronto de forças entre os tribunais em nada ajudará a distribuição da justiça, mesmo porque nas famosas palavras do i. Ministro do STF, Gilmar Mendes, “Isso é atípico. E em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo”, portanto, assim como a força da Justiça, a lógica processual jurídica deve prevalecer .

*Advogado, especialista em Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e Europeu e em Direito Penal Econômico Internacional

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