Um novo pensar

SIDEMBERG RODRIGUES*
A dimensão Espiritual lembra que um único indivíduo pode impactar o coletivo, razão da necessidade do sujeito está em equilíbrio. E esse impacto é potencializado pelo avanço das invenções humanas, que podem revolucionar: como a internet, as vacinas e os smartphones. Mas, em sentido contrário, com o afeto em baixa e a tecnologia na mão, uma pessoa torna-se uma ameaça à sustentabilidade. A Ucrânia é um recente exemplo disso, assim como o mortal ataque às escolas de Aracruz (litoral do ES) na semana passada. Quais serão os próximos?
Há quem lute para facilitar o acesso às armas em um mundo bastante destemperado. Ainda fomos adestrados a pensar no curto prazo, o que também conflita com os ideais do desenvolvimento sustentável. Todos querem lucro para ontem. Alguns, a qualquer custo. Nenhuma instituição foge à fúria da aceleração contemporânea. A célebre frase “time is money”, de Benjamin Franklin, teve seu sentido financeiro exacerbado por ideais capitalistas, intensificando a era do ‘presente contínuo’.
Resgatar a confusão de ‘tempo’ com ‘dinheiro’ na economia digital foi uma estratégia com alto custo: o adoecimento corporativo. E o mercado agrava o mal quando menospreza a moral como profilaxia contra uma ‘enfermidade espiritual’ chamada ganância. Compelidas por dois cruéis subterfúgios da acumulação – a produtividade e a competição – as pessoas correm atrás de um futuro que nunca chega – porque é futuro – com o objetivo de transbordar os bolsos da irracionalidade.
Poucos conseguem se desintoxicar e experimentar a paz nessa maratona. Mesmos em instituições públicas e do Terceiro Setor, igualmente famintas por poder e dinheiro. Prescreveu-se uma gincana monetária infernal contra o relógio – que nunca para. E nas organizações privadas a goela parece ainda mais larga. A incitação ao consumo teve a mídia e a tecnologia como servas interesseiras do capitalismo informacional. A considerar a questão dos fusos horários, fez-se o inferno de Dante a que servidores do colonialismo econômico são submetidos pelos impérios transnacionais.
Budgets e Ebitdas tornam-se conflitantes neurotransmissores da fisiologia do capital, que deprimem e hiperestimulam os cérebros administrativos. No corpo, a patologia não é metafórica: descargas excessivas de adrenalina e cortisol transtornam as rotinas, as noites e a saúde. Mesmo sob o ataque de vírus mortais a humanidade tenta transpor a voracidade mercadológica para o ritmo orgânico, em prol da rentabilidade. Ideais pouco distributivos, figurando o altruísmo e a compaixão como as carências do século. Não seria tempo de desaceleração em prol de maior desfrute? A bordo de ciclos de mudanças cada vez menores, tudo volatiliza no tempo: “substância da qual somos feitos”. Lucro em detrimento de rumo; disputas em detrimento de paz.
A pandemia ultimou a chance de uma vida ainda mais eletrônica e acelerada, submetendo as gestões à reorientação processual do trabalho. Fez das ‘exceções’ as ‘regras’ de uma era predominantemente on-line. Vantagens inegáveis para alguns. Porém, a ênfase no curto prazo adentrou o universo doméstico. E os limites do trabalho perderam seus contornos, comprometendo também a rotina familiar. Como se tempo fosse mesmo dinheiro e não houvesse outras prioridades na vida. Como a percepção da interdependência entre os sistemas e da certeza de que não existem mais problemas locais; mesmo em se tratando da chegada de uma pandemia. Rapidamente, tudo ‘viraliza’, inclusive fora do cyberspace.
A ausência de profundidade analítica é uma colateralidade perigosa. Urge que se expandam as consciências com reflexões amplas, favorecendo os insights em mentes escravas de uma maratona escalar. Como quebrar paradigmas – inclusive em direção à maior qualidade de vida – se não é permitido pensar? Adicionalmente, predominam líderes anêmicos e liderados letárgicos. Só a ‘plenitude espiritual’ da paz pode içar as mentes de seus quadrados. Mas, por onde anda a felicidade mesmo?
De carona nas novas combinações entre capital x trabalho e diante de transformações estruturais, o novo coronavírus pode não ter vindo apenas desafiar o comportamento individual, a ciência, a política e as gestões. Quem sabe o antagonista ‘chinês’ não nos tenha vindo oportunizar uma nova forma pensar?
Ouça a rádio de Minas