Opinião

Uma medicina para o homem e outra a para mulher?

Uma medicina para o homem e outra a para mulher?
Crédito: Pxhere

Sim. No caminhar para a compreensão personalizada de cada paciente, a medicina tem acumulado uma enorme gama de conhecimentos que diferenciam as respostas aos mais diversos tratamentos e susceptibilidades para o desenvolvimento de doenças com uma ótica diferente para o homem e para a mulher. Não se está a discutir aqui o papel social das pessoas, o que se chama de gênero, que pertence ainda a um outro escopo da Ciência. Mas a correlação dos mais diferentes acontecimentos com o sexo de nossa concepção.

Algumas sociedades de especialidades já saíram na frente com os novos conceitos, tal como a Cardiologia, com protocolos de certos medicamentos (antiarrítmicos) com sugestões para os diferentes sexos. Outro grande avanço ocorrido foi reconhecer que a falta de representação no eletrocardiograma de um certo traçado (supra desnivelamento de ST) não seria critério suficiente para afastar um infarto do miocárdio feminino. Só isto pôde reduzir a mortalidade feminina pela metade.

Estas e outras descobertas estonteantes levaram o FDA (órgão americano) em 2015 a orientar novos modelos de estudos para saber se as conclusões de um trabalho científico são válidas igualmente para homens e mulheres. Descobriu-se que os instrumentos de investigação não tinham sido preparados para isto. Estima-se que pelo menos metade do que sabemos hoje poderá ser reformulado. Não se dava muita importância a este aspecto. Para efeito comparativo, em 1970, em estudos de prevenção cardiovascular, somente 9% dos participantes eram mulheres. Em 2006 esta cifra já tinha alcançado 41 %. Imagina o que se tem para rever quando se constatou que a maioria dos estudos que envolveram ratos de laboratórios foi feita em quase sua maioria absoluta com machos.

A representatividade na pesquisa igualmente dos dois sexos é importante porque a moldagem de nosso sistema imunológico é determinada por fatores externos e internos desde nossa vida intrauterina. Os genes que codificam certos cromossomas ligados ao sexo governam nossa imunidade diretamente, ou via nossa microbiota (bactérias que habitam normalmente em nós). A natureza e a força da resposta imune específica dos sexos fazem com que a prevalência, as manifestações, e as respostas às doenças autoimunes, aos politraumatismos, aos cânceres, e infecções – sejam elas causadas por bactérias, vírus ou parasitárias – tenham padrão próprio.

Por exemplo, nas ocorrências graves em que o traumatismo leva a enorme perda de sangue (choque hipovolêmico) tem sido demonstrado que a presença dos hormônios esteroides femininos contribuem para um melhor êxito.  Há ainda menor mortalidade, pois conferem imunoproteção, quando comparados aos andrógenos masculinos, que ao contrário, levam a piora do status imune em circunstâncias semelhantes. Os homens são também mais suscetíveis a infecções parasitárias como a leishmaniose (sessenta mil óbitos por ano no mundo), as amebíases – que podem causar diarreia e outros sintomas (mais de 150 mil casos por ano no Brasil), as helmintíases (820 milhões de casos no mundo) cujos exemplos comuns dentre outros são as áscaris (lombriga) e a esquistossomose (sete milhões de infectados só no Brasil). Os homens são também mais suscetíveis a tuberculose, cuja incidência é de setenta mil novos casos e 4.500 óbitos por ano no Brasil, e espantosos 6,7 milhões de novos casos no mundo.

Em relação aos vírus, as mulheres idosas apresentam uma melhor resposta à vacina contra a influenza (gripe) do que os homens. Os homens acima de trinta anos também têm 1,7 vezes maior chance de morrer de Covid-19, e quanto mais velhos, mais vulneráveis. Quando infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), as mulheres têm menos vírus circulantes na fase aguda da infecção, e são capazes de produzir respostas antivirais mais potentes do que os homens. Isto ocorre porque conseguem produzir em maior quantidade uma proteína protetora chamada Interferon alfa.

Até o exercício físico tem seu melhor horário para beneficiar homens e mulheres, segundo alguns estudos. As mulheres queimam mais gordura corporal se fazem as atividades pela manhã, e os homens à noite. Isto se deve às diferenças dos hormônios, relógios biológicos e ciclos de sono. Mas essa informação não pode ser usada para tirar o estímulo de ninguém, pois sabemos da dificuldade de se conquistar um horário para se cuidar, e que o mais importante é fazer o exercício no horário que se encaixa na própria agenda, pois propicia uma miríade de benefícios para a saúde.

Com mais informações pertinentes, os médicos poderão tomar melhores decisões ao escolher a melhor conduta, e o melhor remédio para cada caso. Contribuir para a qualidade vida é um dos esteios da medicina, pois não se pode dissociar a simples existência do ser feliz. Todos os profissionais de Saúde têm a contribuir para que cada um alcance o segredo de sua vida. Na composição “Homens e Mulheres” cantada por Ana Carolina e Ângela Rô Rô tudo fica muito claro: “Mulheres que acordam cedo, Homens que guardam as datas, Mulheres que não sentem medo.” Carpe diem.

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