Vanguardeiros e anônimos
Cesar Vanucci*
“Muitos brasileiros, no anonimato, se preocuparam com os problemas da navegação aérea.”(Roberto Pereira de Andrade, pesquisador e escritor)
A conquista dos ares, vista de enfoque exclusivamente brasileiro, aponta no período que medeia as presenças em cena do “Padre Voador” (Bartolomeu Gusmão) e do “Pai da Aviação” (Alberto Santos Dumont) uma lista surpreendentemente extensa de idealistas que, acreditando na possibilidade do voo por meio de engenho aeronáutico, colocaram as habilidades técnicas que Deus lhes deu em favor da materialização dessa fascinante empreitada. O conceituado jornalista Romero Solha, no antigo “Diário da Tarde” de 26 de outubro de 1982, publicou sugestiva reportagem a respeito.
O escritor Roberto Pereira de Andrade, autor de trabalho considerado no gênero o mais completo já apresentado, introduz-nos por meio do livro “A construção aeronáutica no Brasil –1910/1976” no conhecimento de uma realidade para muita gente insuspeitada. Na esplêndida pesquisa é mostrado que o voo humano tem ligação umbilical com a construção aeronáutica, embora esta última haja sido vista, na fase inaugural da aviação, como excêntrico artesanato. Na sequência, alguns dos inventores listados no trabalho.
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Acionada pelo escritor, a roda do tempo traz, em primeiro lugar, a figura do paraibano Marcos Barbosa. Suas experiências, com máquina que lembrava um planador, ocorreram em fins do século XIX. O inventor efetuou voos, planando pelas encostas das colinas, com a ajuda de asas de tela e de madeira.
A obstinação do alferes Paulino José de Almeida Nuro levou-o a projetar (em 1899) um monoplano, o “Jaburu voador”. Nem no Brasil, nem na França, encontrou receptividade. Comissão militar que avaliou o projeto concluiu pela sua inviabilidade.
Carlos Rostaing (1880-1941), outro obstinado. Patenteou no Rio, Paris e São Petersburgo a planta de um dirigível. O engenho foi descrito em janeiro de 1902 pela revista francesa “L Aerophile”.
Quem poderia imaginar o líder abolicionista José do Patrocínio (1853-1905) envolvido, também, em meio às tormentas políticas, com o ofício de inventor? Pois é justamente ele, com colaboração de um engenheiro chamado Tiret, que projeta em 1900 um modelo de balão dirigível, batizado “Santa Cruz”. Isso em Paris, naquela ocasião, mais do que nunca, centro mundial da cultura. A morte do parceiro traz Patrocínio de volta ao Brasil sem que o experimento pudesse ser efetivado. O belo sonho que alimentou durante bom pedaço de sua existência esboroou-se. Por ocasião de seu falecimento a máquina – uma estrutura de alumínio, recoberta de tela – estava quase concluída. Seus herdeiros desmontaram-na.
Carlos Euler, carioca, nascido em 1863, engenheiro, diplomado em Zurique, publicou em 1903, no Rio, uma monografia expondo interessantes “Considerações sobre o voo mecânico”. Sua participação em inventos ficou confinada ao campo teórico.
Quem também assinalou presença nas tentativas das conquistas aéreas foi o amazonense João Autto de Magalhães Castro (1861/1926). Suas pesquisas tiveram caráter predominantemente teórico. Coube-lhe o mérito de haver projetado instrumentos de concepção avançada para a época. Entre eles, um dirigível provido de asas.
Paulista, Gastão Galhardo Madeira (1869/1942) obteve patente em 1880 de um projeto de dirigível e de um sistema de estabilizadores para monoplanos. Despertou a atenção dos construtores franceses Farman e Regy. O projeto veio a ser absorvido pela indústria Rotmanoff & Cia.
Júlio Cesar Ribeiro de Souza (1843-1887), paranaense, construiu na Europa três balões dirigíveis de formato alongado. O “Victoria”, o “Santa Maria de Belém” e o “Cruzeiro”. Multidões assistiram às muitas evoluções dos balões nos céus da capital francesa.
Leopoldo Ferreira da Silva, mineiro, nasceu em 1849. Em 1890, registrou na Alemanha patente para a construção de um dirigível de passageiros. No Rio, estruturou empresa com o propósito de explorar comercialmente o invento. Denominada “Cruzeiro do Sul”, a aeronave estava para ser lançada quando do falecimento do inventor. O projeto foi interrompido.
Cearense, Domingos José Nogueira (1848/1926) é outro dos brasileiros que, no anonimato, “se preocuparam com os problemas da navegação aérea”, conforme o escritor Pereira de Andrade. Estudos teóricos sobre a dirigibilidade dos balões garantem-lhe a citação do nome.
Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, outro pioneiro, perdeu a vida numa experiência aérea. Em 1894, construiu o balão “Bartolomeu de Gusmão”, em seus primeiros testes de navegação. Mais tarde, na França, empenhou-se na construção do dirigível “Pax”. Na manhã de 12 de maio de 1902, acompanhado do mecânico, ergueu voo testando a estabilidade do aparelho. Uma fagulha de motor alcançou a carga de hidrogênio. A aeronave precipitou-se em chamas num logradouro parisiense.
* Jornalista ([email protected])
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