Opinião

Versos musicais são cânticos de vida

Versos musicais são cânticos de vida
Crédito: Maria Célia Siqueira

CESAR VANUCCI *

“Eu era feliz e não sabia…” (Ataulfo Alves, numa de suas lindíssimas composições)

Repetindo: a poesia é necessária e os poetas são imprescindíveis. Alguém disse, pratrazmente, que na poesia canto e conto se fundem, compondo melodia que encanta e enternece. A poesia areja o espírito. Mantém acesa a esperança. Escorraça os ruídos desagradáveis produzidos, nalguns momentos, como agora acontece, de forma mais estridente, por força de desagradável surto de obscurantismo cultural. Quando conectados com música, muitos versos costumam adquirir feição de enlevo espiritual comparável ao da prece sussurrada com sincero fervor.

A crônica literária registra uma manifestação de Manuel Bandeira, que causou na época em que foi feita, anos atrás, grande surpresa e chegou a provocar, até mesmo, um certo clima polêmico. Indagado sobre quais seriam os mais belos versos da poesia brasileira, o grande vate, sem titubeios, respondeu: “Tu pisavas nos astros distraída.” A resposta colocou no foco das atenções um clássico da MPB, “Chão de estrelas”, de onde os versos apontados por Bandeira foram retirados. Conferiu, também, justo realce a um excelente poeta popular que não frequentava os salões acadêmicos mais refinados. Orestes Barbosa, coautor da melodia, ao lado do portentoso intérprete Sílvio Caldas.

Arrostando rançosos preconceitos com o veredito proferido, o autor de “Evocação do Recife” convidou-nos, de certa maneira, com a autoridade de inconteste conhecedor do fascinante oficio de versejador, a aprender extrair das canções populares brasileiras outros achados poéticos.

Partilhando dessa certeza de que a incomparável música popular feita no Brasil é um repositório de poesia da melhor qualidade, resolvi, quando de minha passagem pela direção da Rede Minas de Televisão, abrir espaço especial num dos programas que criei (“Um livro aberto”, dedicado à temática literária) para interpretações musicais do cancioneiro nacional. O canto era acompanhado de comentários sobre os versos das composições.

Dentro dessa linha de raciocínio, resolvi também, em certo período, ampliar a tal coleção de frases com letras de melodias conservadas no carinho e enlevo da memória das ruas.

Algumas delas. “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar; tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar.” (“A felicidade”, tema do filme “Orfeu negro”, Vinicius de Moraes e Tom Jobim).

“Mas que bobagem, as rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti…” (samba-canção “As rosas não falam”, de Cartola).

“Atire a primeira pedra, ai, ai, ai. Aquele que não sofreu por amor.” (“Atire a primeira pedra”, Mário Lago e Ataulfo Alves).

“Vê, estão voltando as flores. Vê, nessa manhã tão linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança, ainda” (marcha-rancho, “Estão voltando as flores”, Paulo Soledade).

“Quem nasce lá na vila, nem sequer vacila em abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo.” (“Feitiço da vila”, Vadico e Noel Rosa).

“Batuque é um privilégio, ninguém aprende samba no colégio.” (“Feitio de oração”, Noel Rosa e Vadico)

“Se a lua nasce por detrás da verde mata mais parece um sol de prata, prateando a solidão.” (“Luar do sertão”, toada, Catullo da Paixão Cearense).

“Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer.” (“Pra não dizer que não falei de flores”, Geraldo Vandré)

“O mundo é uma escola, onde a gente precisa aprender a ciência de viver, pra não sofrer.” (“Pra machucar meu coração”, Ary Barroso)

“Fazer samba não é contar piada, quem faz samba assim não é de nada; um bom samba é uma forma de oração, porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. (“Samba da bênção”, Vinicius e Baden Pawell).

“Ai! Que amar é se ir morrendo pela vida afora. É refletir na lágrima um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu.” (Serenata do Adeus”, Vinicius de Moraes).

“Nesta viola eu canto e gemo de verdade; cada toada representa uma sodade.” (“Tristeza do Jeca”, toada, Angelino de Oliveira).

“Tu és, de Deus a soberana flor. Tu és de Deus a criação, que em todo o coração sepultas o amor, o riso, a fé e a dor em sândalos olentes.” (“Rosa”, valsa, Alfredo Vianna, o Pixinguinha).

“O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito…” (“O mar”, Dorival Caymi).

“Você que só ganha pra juntar. O que é que há? Diz pra mim, o que é que há? Você vai ver um dia em que fria vai entrar. Por cima uma laje, embaixo a escuridão. É fogo, irmão; é fogo, irmão.” (“Testamento”, Vinicius e Toquinho).

* Jornalista ([email protected])

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