VIVER EM VOZ ALTA | Dona Julieta

Dona Julieta é uma senhora muito educada. ‘Teve berço’. Mesmo quem não priva de sua intimidade, percebe, de imediato, tratar-se de uma pessoa distinta, de bons modos. Sua fala é mansa e suave. Seu tom de voz é sereno, pausado, típico de quem é razoável e age pelo bom senso. Mais: pelo que é o certo. Sua aparência é coerente: as roupas elegantes, sempre combinando, os cabelos alinhados e a maquiagem discreta, sem exageros, confirmam que estamos diante de alguém que está com a razão. Como pensar o contrário?
Se você pensou, por algum motivo, que Dona Julieta é uma mulher fútil, voltada apenas para as amenidades da vida, enganou-se. Embora não seja muito chegada a longas leituras, não se esquece de decorar os ambientes mais visitados de sua casa com alguns livros, a maioria em edições de luxo, vistosas, prontas para impressionar. Dona Julieta também gosta de museus, sobretudo quando viaja ao exterior. Em suas redes sociais, há muitas fotos de seus passeios a esses edifícios charmosos, em geral com boas cafeterias. ‘A cultura alimenta a alma!’ A música é outra queridinha. Principalmente as que relaxam.
Outra falsa impressão que é preciso desfazer rápido, antes que se alastre: não, Dona Julieta não é insensível às aflições dos desafortunados. Aprendeu com a mãe, desde criança, que a caridade é uma das principais virtudes dos filhos de Deus, já que o sol, infelizmente, não nasce para todos. ‘Podendo ajudar, eu ajudo’, gosta de dizer nas reuniões com as amigas, a xícara de chá entre os dedos. Nesse frio, por exemplo, já doou dois ou três casacos para o projeto assistencial de que é fã.
Pelas pistas dadas nos dois últimos parágrafos, você já entendeu que Dona Julieta não é uma mulher alienada, alheia às coisas de seu tempo. Não, de jeito nenhum. Está sempre atualizada. Faz parte de vários grupos de whatsapp e sabe tudo o que está acontecendo. Atilada, sagaz, tem acesso até a informações reservadas, que circulam pouquíssimo. Algumas provavelmente só entre os serviços de inteligência das potências mundiais. Foi assim que tomou conhecimento de terríveis conspirações contra o mundo ocidental, urdidas em gabinetes malvados, na outra ponta do planeta. De invejável capacidade de raciocínio e de análise, além de profundamente intuitiva, Dona Julieta identifica, como ninguém, onde estão os inimigos da civilização, e o que fazer para exterminá-los. ‘O fruto podre deve ser retirado da árvore imediatamente, antes que contamine os demais’.
É por isso que defende, às vezes, ações mais incisivas, algumas até fortes, com relação a certos grupos e a certas pessoas. Haverá quem rotule tais ações, inadequadamente, de ‘violentas’, com o que Dona Julieta definitivamente não concorda. ‘É fato: um criminoso só vai falar a verdade se for pressionado. Mas pressionado mesmo, por todos os meios disponíveis’, comenta, depois do licor, sobre o tema a que os mais rudes se refeririam como ‘tortura’. Não, Dona Julieta não erra na escolha das palavras. É uma mulher refinada, você já sabe. Também jamais se relaciona com vocábulos como ‘homofobia’ ou ‘racismo’. ‘Isso é invenção de moda dessa turma interessada em bagunça, em tumulto’. Uma coisa ficou bem clara, eu espero: Dona Julieta é pacífica, ordeira. Gosta de tudo bem arrumado. Em seus devidos lugares.
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