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Mineração ainda opera sob lógica colonial, alerta consultor

Waldir Salvador critica modelo atual e cobra nova política industrial que vincule exploração mineral a desenvolvimento de longo prazo
Mineração ainda opera sob lógica colonial, alerta consultor
Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil

Com mais de 30 anos de atuação no setor mineral, Waldir Salvador, consultor da Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (Amig Brasil), viu a mineração brasileira se expandir com velocidade e eficiência técnica, mas sem contrapartidas sociais à altura. O diagnóstico que apresenta é direto: o modelo vigente ainda se estrutura sobre uma lógica extrativista, vertical e concentradora de poder e renda. E a despeito dos avanços operacionais, permanece frágil o vínculo das mineradoras com os territórios onde atuam. “A relação com as cidades mineradoras é rudimentar”, resume.

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Para ele, o setor ainda opera sob uma lógica que remete à colonização, fazendo alusão às chamadas “concessões vitalícias”. “A empresa não é obrigada a renovar, nem a prestar contas dos impactos sociais, econômicos ou ambientais”, afirma. Esse distanciamento se reflete, por exemplo, na falta de planejamento de longo prazo.

Salvador ressalta que o encerramento de atividades costuma ser abrupto e sem diálogo, afetando profundamente a estrutura fiscal, econômica e social dos municípios. Ele cita casos recentes em Minas Gerais em que as prefeituras de Piracema e Santa Bárbara, ambas na região Central do Estado, foram notificadas com apenas duas semanas de antecedência sobre o fim das operações. São localidades cuja economia inteira gira em torno da mineração e que, ao perderem essa base, se veem desamparadas, sem tempo para reagir, sem vocação construída para alternativas. “Chamam o prefeito e avisam: ‘em 15 dias não tem mais mineração aqui’. […] O resultado é que, quando a atividade cessa, o colapso é imediato”, alerta.

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Por isso, o consultor da Amig Brasil defende que a Cfem seja usada como instrumento para reverter essa lógica, de forma que parte dos royalties da mineração seja aplicada estrategicamente em atividades que transcendam a extração. E alerta: “se isso não ocorrer, corremos o risco de termos cidades ricas hoje e inviáveis amanhã”.

Ele também denuncia o que chama de “cultura da sonegação mineral”. “Entre 2017 e 2021, as mineradoras deram um calote de R$ 20 bilhões na Cfem, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União). Não há fiscalização: são 39 mil processos para três fiscais. E, como a cobrança é feita por autodeclaração, as empresas interpretam a lei como querem”. Ele cita o exemplo da pelotização do minério de ferro: “A legislação diz que é um bem mineral, mas a empresa diz que virou industrializado e que não precisa pagar. E ninguém contesta”.

O especialista ainda lembra que, além da dimensão econômica, os impactos sociais e ambientais da mineração são frequentemente subestimados. De acordo com ele, estudos revelam, por exemplo, que o custo de vida em cidades mineradoras é significativamente maior do que em municípios de mesmo porte, e que a presença de trabalhadores terceirizados e temporários sobrecarrega os serviços públicos, sem contrapartida proporcional. A complexidade desses efeitos colaterais é agravada pela ausência de políticas públicas robustas para compensações socioeconômicas. “Hoje não há uma legislação que obrigue as empresas a fazer compensações sociais além das ambientais. E as ambientais, muitas vezes, são insuficientes”, critica.

Então, Salvador defende que a mineração funcione como âncora para o desenvolvimento de um ecossistema mais amplo de atividades produtivas – o que chama de visão sistêmica. Segundo ele, a cadeia de suprimentos do setor poderia fomentar uma base industrial diversificada, especialmente nos municípios mineradores. Mas isso não acontece. “Nunca vemos uma listagem aberta de fornecedores para que os municípios possam atrair as empresas. O setor ainda opera como se o entorno fosse irrelevante”, reforça.

Na avaliação do consultor, sem reformulações estruturais – que envolvam uma nova política industrial, uma legislação moderna e o fortalecimento das capacidades locais – a mineração seguirá sendo um setor de riqueza concentrada e de legado frágil. “As cidades mineradoras vivem hoje com muito dinheiro, mas com pouca autonomia. Quando a atividade se encerra, resta uma infraestrutura pesada, custos altos e uma população que não se beneficiou verdadeiramente daquele ciclo de abundância”.

A preocupação aumenta diante das mudanças previstas no sistema tributário nacional. Com a reformulação do modelo de arrecadação, municípios de pequeno porte e alta produção mineral devem perder até 20% da receita. “É o pior dos mundos: uma economia local baseada em um recurso finito, com pouca diversificação e que ainda terá menos recursos no futuro”, alerta. Nesse cenário, conclui Salvador, a única saída viável é articular uma nova mineração – comprometida com o território, com transparência, com redistribuição de riqueza e com um plano de futuro que vá além da lavra.

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