‘Não precisamos ter vergonha de exportar commodity’, diz CEO da Invest Minas
Com formação em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em ciência política e gestão governamental pela Fundação João Pinheiro (FJP), João Paulo Braga é um dos nomes à frente da transformação econômica de Minas Gerais. Antes de se tornar CEO da Invest Minas, em 2021, foi diretor da agência. Hoje, lidera a principal frente de atração de investimentos do Estado, que já soma quase R$ 500 bilhões nos últimos sete anos.
Nascido em Belo Horizonte e criado em Moeda, na região Central do Estado, Braga acumula experiência internacional, tendo atuado no setor de atração de investimentos para a Pensilvânia, nos Estados Unidos. É funcionário de carreira do Estado e defende um modelo de desenvolvimento para Minas Gerais ancorado na valorização dos ativos tradicionais, como mineração e agronegócio, mas com ênfase na diversificação, inovação e no valor agregado.
Em entrevista exclusiva ao Diário do Comércio, o CEO da Invest Minas analisa o papel da mineração na economia mineira, os desafios da transição energética e da capacitação de mão de obra, além das estratégias do governo para garantir que os investimentos anunciados sejam efetivamente implementados. Com visão pragmática, centrada no equilíbrio entre sustentabilidade e viabilidade econômica, Braga traça um panorama dos caminhos possíveis para o futuro do Estado.
Minas Gerais atraiu R$ 470 bilhões em investimentos nos últimos sete anos. Mineração e agronegócio ainda dominam a economia do Estado. Como o governo atua para diminuir essa dependência?
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Quando se observa o volume de investimentos, esses setores realmente lideram. No entanto, esse dado pode distorcer a percepção, pois os projetos de capital intensivo estão majoritariamente em infraestrutura e mineração. Apesar dessa concentração, outros segmentos também têm apresentado bom desempenho. Indústrias com menor necessidade de capital, como a farmacêutica e a de bebidas, foram atraídas recentemente e ajudaram a diversificar a economia.
A mineração sempre esteve presente nas Minas Gerais. O Estado não seria o que é sem ela. No entanto, há uma diversificação interna ao setor: antigamente falava-se em ouro e ferro; atualmente, destacam-se terras raras, lítio e silício, ampliando a cadeia mineral. Há também mudanças nas práticas industriais, com rejeitos anteriormente considerados exauridos sendo reaproveitados devido à tecnologia atual, alinhada ao conceito de economia circular. O futuro da mineração passa necessariamente por novos materiais, reutilização e pela agregação de valor químico e metalúrgico. Os grandes investimentos em mineração podem servir como plataforma não apenas para exportar minérios, mas também tecnologias e serviços de elevado valor agregado.
O que pode acontecer com a economia mineira caso o Estado continue excessivamente dependente da mineração puramente extrativista?
Corremos o risco de perder relevância econômica, pois os recursos minerais são finitos, ao contrário das tecnologias. Para garantir o futuro de Minas Gerais, precisamos ir além do fornecimento de minério e atuar também nos segmentos de capital, engenharia e serviços. Mesmo num cenário de esgotamento mineral, é possível ter empresas oferecendo soluções globais. Podemos contar com investidores mineiros aportando recursos em projetos internacionais, com lucros retornando ao Estado. Dessa forma, migramos de uma mineração dependente do recurso natural para uma indústria baseada em soluções e serviços de alto valor agregado.
Para isso, é imprescindível contar com uma regulamentação robusta. O objetivo não deve ser a rapidez, mas sim a segurança. Na Austrália, observei barragens que já não seriam aprovadas em Minas Gerais, devido ao avanço de nosso licenciamento após a “Lei Mar de Lama Nunca Mais”. Garantir segurança e responsabilizar quem desrespeita as normas é fundamental para evitar penalizar quem atua corretamente. Na Invest Minas, trabalhamos pela diversificação econômica do Estado, sem defender o abandono da mineração. Ao contrário, utilizamos mineração e agronegócio como trampolins para impulsionar o futuro, evoluindo a partir desses setores, não apesar deles.
Minas Gerais possui amplo potencial para a transição energética por meio dos minerais críticos, mas novamente enfrenta desafios devido à predominância da exportação de commodities…
Não há razão para ter receio de exportar commodities. A Austrália, por exemplo, tem na mineração sua principal indústria, sustentada por um mercado de capitais altamente desenvolvido, permitindo que empresas se financiem pela abertura de capital. Assim, embora os recursos minerais estejam dispersos pelo mundo, o capital flui majoritariamente para aquele país. Esta é a visão que precisamos adotar no Brasil: desenvolver nosso mercado de capitais para que investidores nacionais financiem projetos locais e mantenham o capital no País. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já apresenta iniciativas interessantes nesse sentido, estimulando fundos de investimento nacionais a protagonizarem os aportes na mineração brasileira. Precisamos também avançar em outras etapas da cadeia produtiva. Nas indústrias de mobilidade elétrica e de painéis solares há predominância chinesa, num cenário de disputas comerciais globais. Existe, portanto, uma grande oportunidade para que o Brasil forneça esses minerais em estágio químico, não apenas bruto. Podemos agregar valor na transição do estágio mineral para o químico. No caso do lítio, passar do espodumênio ao hidróxido ou carbonato pode multiplicar o valor do produto em até 13 vezes.
Já temos tecnologia e mão de obra suficientes para mudar de estágio e agregar valor a esses produtos?
É nisso que temos trabalhado. Na gestão do governador Romeu Zema (Novo), já foram geradas mais de 980 mil vagas, alcançando-se a menor taxa de desemprego da história do Estado. Com o mercado aquecido, precisamos gerar empregos de melhor qualidade. Falta mão de obra em Minas e no País. As empresas reclamam da dificuldade para contratar. Para resolver isso, ou aumenta-se a população — o que é difícil diante da queda da natalidade — ou qualifica-se melhor a mão de obra disponível. Muitas vezes, a demanda mais crítica é por profissionais técnicos, especialmente na área química. Cursos oferecidos pelo Senai são essenciais, e o programa Trilhas do Futuro também busca esse objetivo: preparar profissionais para o futuro com qualificação técnico-profissionalizante.
Qual é o plano do governo para a atração de investimentos no longo prazo? Como sua equipe trabalha para garantir que esses aportes não fiquem apenas nas intenções?
Essa é a parte mais difícil e talvez a que mais me orgulha, pois nunca tivemos um desempenho tão positivo como agora. Saltamos de um patamar anual de R$ 13 bilhões atraídos para quase R$ 500 bilhões em investimentos ao longo dos últimos seis anos. Esse valor considera o momento em que a empresa decide investir e assina protocolo conosco. Sabemos, contudo, que diversos fatores, como conjuntura econômica, guerra comercial, financiamento e licenciamento, podem inviabilizar um projeto. Quando o governador Zema assumiu, a taxa de conversão da Invest Minas era de cerca de 19%. Hoje, esse índice está em 61%. Isso significa não apenas que atraímos mais investimentos, mas também que esses projetos estão se concretizando. Além disso, aproximadamente 30% dos projetos estão em fase de planejamento, e a taxa de mortalidade dos projetos inviabilizados é de apenas 10%.
A que atribui esse sucesso? Seria, de fato, o planejamento estratégico?
É o planejamento estratégico concretizado por meio da integração entre as áreas do governo para viabilizar projetos. Quando recebemos uma proposta, a Invest Minas é a porta de entrada para o investidor. Buscamos compreender cada projeto e antecipar possíveis desafios. Se o licenciamento ambiental for mais complexo, organizamos antecipadamente conversas com a Secretaria de Meio Ambiente para orientar a empresa e preparar os estudos mais adequados. O mesmo se aplica às questões tributárias com a Secretaria da Fazenda ou às demandas por mão de obra qualificada com a Secretaria de Educação. Dessa forma, reduzimos os entraves para cada empreendimento.
Como o Estado trata a atração de investimentos verdes?
Energia renovável é investimento verde? Sim. A mineração de materiais essenciais para a transição energética é investimento verde? Sim. A dificuldade está justamente em identificar isso claramente, já que a maioria dos investimentos incorpora componentes sustentáveis – seja na contratação de energia limpa, em melhorias de eficiência energética ou em ações sociais. Hoje, independentemente do setor, as empresas buscam reduzir a pegada de carbono nas suas operações. Assim, há um esforço conjunto entre o Estado e as empresas parceiras, que têm demonstrado consistência na busca por esses investimentos. Para alcançar a neutralidade de carbono até 2050, é essencial que os investimentos necessários sejam feitos desde agora.
Ao mesmo tempo, enfrentamos o desafio do greenwashing. É possível diferenciar quem realmente está comprometido com a sustentabilidade de quem faz apenas marketing verde?
Quem faz apenas marketing verde terá vida curta. No entanto, é preciso buscar um equilíbrio entre sustentabilidade e viabilidade econômica. Não faz sentido discutir descarbonização sem dispor de tecnologias economicamente viáveis. Por isso, na Invest Minas, conduzimos o Programa Rota da Descarbonização – uma iniciativa de longo prazo que conecta a agenda da sustentabilidade às estratégias econômicas. O hidrogênio verde possui potencial significativo para descarbonizar a mineração, mas ainda não é economicamente viável. A situação é semelhante à dos veículos elétricos, cujo custo é alto no Brasil. Os biocombustíveis, por outro lado, apresentam-se como alternativa mais acessível. Precisamos identificar soluções concretas e viáveis economicamente. Não é uma questão de sonho, mas de racionalidade: vivemos numa economia capitalista, em que as atividades precisam gerar retorno financeiro. Portanto, equilíbrio é fundamental.
De que maneira as mudanças climáticas podem impactar os investimentos no Estado? Podemos atrair mais ou menos investimentos, e sob quais condições?
Acredito que há dois aspectos fundamentais. A necessidade de enfrentar as mudanças climáticas pode ser uma oportunidade para Minas Gerais, já que a transição energética é uma plataforma econômica estratégica para o Estado. O Brasil possui mais de 90% da sua energia proveniente de fontes renováveis, produz biocombustíveis e conta com um agronegócio sustentável e um rigoroso Código Florestal. Essa é uma vantagem competitiva que devemos converter em negócios e investimentos. Por outro lado, é essencial mapear os riscos climáticos envolvidos. Minas Gerais reflete bem essa realidade: no agronegócio, por exemplo, períodos prolongados de estiagem já comprometem a produtividade. Por isso, é fundamental monitorar esses riscos e buscar alternativas preventivas.
Quais são os principais desafios para que Minas Gerais despontar como líder global na transição energética?
Há muitos desafios. Não existe transição energética sem mineração. Veículos elétricos dependem de lítio; painéis solares, de silício. Para nos tornarmos fornecedores estratégicos, precisamos avançar na agregação química desses materiais. O Brasil pode desenvolver uma indústria de baterias? Tudo indica que sim. Estamos em um momento excepcional, mas o setor de energia renovável enfrenta gargalos, como a insuficiência de redes para distribuição de energia eólica e solar. Soluções eficientes de armazenagem podem garantir novos investimentos, mas o setor ainda precisa evoluir. No agronegócio, cresce a demanda por certificações de boas práticas ambientais. O café mineiro já possui selo verde, e no caso dos biocombustíveis, plantas nativas como a macaúba passam a integrar ações de reflorestamento do Cerrado, abrindo novas oportunidades.
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