Lítio, hidrogênio verde e energia solar colocam Minas Gerais como protagonista da matriz nacional

Se o Brasil tem potencial para se transformar em celeiro do mundo quando o assunto é segurança alimentar, na área de transformação energética vem se despontando cada vez mais como um canhão, jogando luz sobre as diferentes frentes de atuação que permitirão uma produção mais sustentável e duradoura, em uma relação mais justa e amigável com o planeta.
Há muito, os combustíveis fósseis e a geração tradicional já não são as únicas formas de gerar energia, tampouco se mostram competitivos e rentáveis diante das transformações que se impõem na sociedade moderna. Inicialmente, os modelos hidrelétricos, eólicos e solares, ao lado de opções como o gás natural e o carvão vegetal, surgiram para quebrar paradigmas e indicar alternativas em um caminho tão eficiente ou mais que o tradicional. É uma transformação que não cessa e vê surgir, a cada dia, novos atores que já fazem ou farão parte dessa transição: hidrogênio verde, minerais críticos, terras raras e muitos outros elementos que ainda nem conhecemos.
Minas Gerais se destaca nesse cenário: berço da mineração, com metais milenares como o ouro e o minério de ferro, o Estado não para de dar sua contribuição na era das novas fronteiras minerais e tem apresentado ao mundo suas importantes reservas de nióbio, lítio, grafita e terras-raras. Alguns desses recursos ainda são incipientes, mas todos apresentam potencial de agregação de valor e de atração de indústrias de ponta para a transformação dos minérios em produtos acabados, como no caso das baterias.
O lítio está concentrado no Vale do Jequitinhonha, onde o governo mineiro desenvolveu o chamado Vale do Lítio e tem atraído dezenas de bilhões em investimentos para a região, em projetos com gigantes internacionais. Já as terras-raras contam com a única reserva oficialmente reconhecida do Brasil, em Araxá, no Alto Paranaíba, além de outros depósitos no Sul do Estado.
No caso do hidrogênio verde, Uberaba, no Triângulo, se prepara para receber uma planta industrial que promete transformar a cidade em um polo de desenvolvimento de negócios sustentáveis. Com investimentos de R$ 7,8 bilhões, o empreendimento será instalado na Zona de Processamento de Exportação (ZPE), em um projeto da empresa portuguesa H2Green, por meio da subsidiária H2Brasil, e vai produzir, além do hidrogênio, amônia verde.
Na geração de energia, enquanto o País é destaque mundial por já deter 88% de sua matriz limpa – majoritariamente proveniente da geração hidrelétrica -, Minas desponta na solar. Já são 12,8 gigawatts (GW) de capacidade instalada de energia elétrica produzida exclusivamente por fonte solar fotovoltaica. O recorde foi alcançado com a soma de 7,4 GW em Geração Centralizada (GC) e 5,4 GW em Geração Distribuída (GD), segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Com isso, a potência instalada das usinas de energia solar fotovoltaica na geração centralizada em Minas Gerais corresponde a 39,2% da capacidade de GC de energia solar em todo o País. Já em relação à geração distribuída, a potência instalada das unidades mineiras de energia solar é responsável por 12,6% da capacidade total nessa modalidade no Brasil.
E o País, ao todo, reúne 61,9 GW de potência instalada para a geração de energia solar fotovoltaica – somando as modalidades centralizada e distribuída. Os 12,8 GW de Minas Gerais correspondem, portanto, a 20,7% de toda a capacidade nacional de produção de eletricidade por meio dessa fonte renovável proveniente da radiação solar.
Brasil tem vantagem em energia limpa, mas regulação ainda é obstáculo
Para o líder de Energia e Recursos Naturais da EY, Afonso Sartorio, o Brasil tem uma grande vantagem em relação ao restante do mundo quando o assunto é transição energética. Isso porque conta com uma matriz predominantemente limpa e renovável, enquanto países importantes e fundamentais para a economia global ainda “precisam correr atrás” diante das metas de descarbonização de empresas e nações.
“Muitos terão de investir consideravelmente para nos alcançar. E, no patamar em que nos encontramos, já conseguimos suprir nossa demanda e ganhar competitividade no mercado externo. Mas, como nem tudo são flores, aspectos como legislação e regulação precisam evoluir. Não estamos na Idade da Pedra, mas o hidrogênio verde merece um Plano Nacional, e a distribuição de energia precisa de constantes investimentos, especialmente na infraestrutura de transmissão”, exemplifica.
Assim como na maior parte da indústria brasileira, também na transição energética um dos grandes desafios está na agregação de valor. Sartorio observa que, no caso dos metais raros – como o nióbio, extraído com exclusividade em solo mineiro -, a transformação local em baterias seria essencial para a competitividade do País.
“Se você transformar no País, em vez de apenas exportar, terá uma vantagem. E, fazendo isso com uma energia abundante, renovável e de baixo custo, será uma vantagem ainda maior. Mas isso também precisa ocorrer a custo competitivo, o que passa pela regulação”, frisa.
O especialista cita o caso do gás natural: “O gás natural brasileiro é caro e inviável. Por quê? Porque a cadeia produtiva não é eficiente do ponto de vista regulatório. Ele nem é renovável, mas é considerado limpo e amplamente utilizado no nosso parque industrial. Precisamos de investimentos em infraestrutura para viabilizar uma produção e distribuição acessíveis, que permitam o avanço dos projetos”, explica.
Cinco entraves mantêm o País atrás no setor elétrico, diz especialista
O consultor de energia Rafael Herzberg lista cinco pontos que fazem o Brasil perder competitividade quando o assunto é energia – embora o País tenha inúmeros atributos que o colocam em posição de destaque no cenário global. São eles:
- “Gatos”
- Subsídios
- Obras inacabadas
- Resposta à demanda
- Ajuste dos horários de ponta e fora de ponta
Quanto aos “gatos”, ele avalia que o problema persiste porque é liderado pelo crime organizado. Já os subsídios, Herzberg os classifica como perversos, pois estimulam soluções que prejudicam todos os demais – “a exemplo do que ocorre com a energia solar”, diz.

Sobre as obras inacabadas, o consultor cita Angra 3 como um caso emblemático, que há décadas consome bilhões de reais da população, sem o resultado esperado. Afirma ainda que a resposta à demanda deve ser oferecida amplamente e que o Brasil está atrasado nesse quesito – o que significa que o sistema vem sendo demandado de forma perigosa, chegando perto do limite de sua capacidade. Por fim, ele defende o ajuste dos horários de ponta e fora de ponta aos horários reais, alegando que a definição atual está ultrapassada e causa um descompasso entre a formulação das tarifas e o comportamento real da curva de demanda no País.
“Esses pontos caracterizam um País completamente descompassado e defasado na área de energia elétrica. Não à toa, ao se comparar com os demais países dos Brics, o Brasil hoje ocupa a última posição em custo de energia por quilowatt-hora (kWh). Mais uma vez, é o custo Brasil impactando nossa competitividade e representando bilhões de reais perdidos todos os anos”, lamenta.
Especificamente no caso da energia, Herzberg denuncia que as decisões e a regulação do setor não estão centradas na meritocracia de custos, mas em interesses de grupos específicos. Por isso, segundo ele, o Brasil não se torna uma referência mundial no segmento, mesmo com inúmeros diferenciais. “Falta visão, capacidade técnica e cobrança sistêmica do regulador, do Ministério de Minas e Energia, de todos. Não existe hoje uma união pela eficiência do País na área de energia”, alerta.
O consultor exemplifica com a priorização das fontes de energia no País, comparando as energias solar e hidrelétrica e destacando as emissões de carbono em relação ao volume de energia produzido.
“A hidrelétrica é a mais eficiente de todas e, aqui no Brasil, optou-se por inverter a ordem e privilegiar as fontes solar e eólica, que têm um conjunto de emissões mais alto por quilowatt-hora (kWh) produzido. A energia solar depende de itens importados e gera uma produção não firme, enquanto o País possui um grande potencial inexplorado de energia hidrelétrica, que é firme, gerada integralmente no Brasil e capaz de empregar amplamente trabalhadores brasileiros. Mas, por conta de interesses específicos, foi considerada, em relação à solar, menos vantajosa”, critica.
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