Negócios de impacto ganham força em Minas e desafiam modelo tradicional

Um negócio que busque equilibrar resultados financeiros com a geração de impactos sociais e ambientais positivos. Seria uma utopia? Estudiosos defendem que não é. Apesar da linha tênue que divide o conceito dos chamados negócios de impacto – colocando de um lado a solução de problemas socioambientais provenientes do mercado e, do outro, o lucro impactando positivamente a sociedade -, esse modelo já existe e pode ser determinante para o desenvolvimento econômico e sustentável que tanto se almeja.
O Brasil já conta com uma política pública voltada para essa iniciativa: a Estratégia Nacional da Economia de Impacto (Enimpacto), relançada em 2023, que incentiva negócios e investimentos no País com o objetivo de equilibrar resultados financeiros e a geração de impactos sociais e ambientais positivos. Liderada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) e executada pelo Departamento de Novas Economias da pasta, em parceria com um comitê paritário formado por 52 instituições das esferas governamentais, privadas e da sociedade civil, a estratégia se ancora em cinco eixos de ação:
- Ampliação da oferta de capital para a economia de impacto;
- Aumento do número de negócios de impacto;
- Fortalecimento das organizações intermediárias;
- Promoção de ambiente institucional e normativo favorável aos investimentos e aos negócios de impacto; e
- Articulação interfederativa com estados e municípios no fomento à economia de impacto.
O objetivo central é fortalecer o setor por meio da ampliação da oferta de capital e do número de negócios dessa categoria, além de promover a disseminação de conhecimento, a geração de dados e a capacitação e a conexão entre os diversos atores envolvidos. Outro foco é o estabelecimento de um marco regulatório favorável à economia de impacto em todo o território nacional.
Segundo o governo federal, embora se configure como um setor complexo, ainda em estágio incipiente em todo o mundo e envolvendo diversos atores e organizações, o Brasil é um dos países pioneiros a possuir legislação sobre o tema.
Em abril, o ministério lançou o Cadastro Nacional de Empreendimentos de Impacto (Cadimpacto), uma plataforma para mapear e dar visibilidade a empresas, iniciativas e atividades comerciais que combinem resultados financeiros com impacto socioambiental. Segundo o diretor de Novas Economias da Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria (SEV/Mdic), Lucas Ramalho, a ideia é conectar todos os empreendedores para que se possa tanto reivindicar melhores políticas públicas quanto oferecer uma vitrine de oportunidades de negócios.
Até setembro, o Cadimpacto contava com 1.053 negócios inscritos. Do total, cerca de 60% estão no nível ouro, 30% no bronze e 10% no prata. Antes de serem efetivados, todos os cadastros passarão por checagem de dados para comprovar o atendimento aos requisitos necessários para integrar o programa.
Minas busca avançar na regulamentação da economia de impacto
Em Minas Gerais, o desafio é maior. Segundo a head de Sustentabilidade e coordenadora do Centro de Inteligência em Sustentabilidade (CIS) do BH-Tec, Camila de Oliveira Viana, o Estado integra o Sistema Nacional de Economia de Impacto (Simpacto) e conta com legislação vigente, mas ainda carece de regulamentação.
“Participamos desse sistema nacional e temos elegibilidade para formalização, bem como alguns benefícios. Isso já representa um avanço. Temos também uma legislação vigente, uma lei que cria a política pública, mas falta a regulamentação. O estágio atual é de articulação junto ao governo do Estado para que tenhamos um representante e possamos incluir a política em uma secretaria, de forma a garantir a efetividade da estratégia que já existe em âmbito nacional”, explica.
A especialista lembra que essa articulação também será fundamental para desmistificar o conceito de negócios de impacto. Embora, num primeiro momento, as pessoas tendam a relacionar o tema à filantropia, o grande desafio está justamente nessa desconexão. “São negócios que dão lucro, mas que, ao mesmo tempo, trazem benefícios ambientais e sociais para a sociedade. E, dentro dessa definição, o negócio também precisa monitorar esse impacto e comunicá-lo de forma clara. É um modelo que busca a transição para uma nova economia, mais verde, duradoura e sustentável”, reforça.
O coordenador do Centro de Empreendedorismo da FGV EAESP (FGVcenn) e professor do Departamento de Mercadologia da instituição, Edgard Barki, chama a atenção justamente para essas definições no artigo “De negócios de impacto para o impacto dos negócios”, publicado em 2023. Segundo ele, “apesar do aparente sucesso e crescimento dos negócios de impacto desde seu surgimento, no início dos anos 2000, há diversas críticas ao conceito e à atuação dessas iniciativas que merecem ser discutidas”. O autor ressalta cinco aspectos para reflexão:
- Conceituação frágil;
- Definição de impacto;
- Homogeneidade do perfil empreendedor;
- Limites do empreendedorismo social e o papel do Estado; e
- Manutenção do status quo.
Especialistas apontam caminhos para o futuro sustentável
Mas, segundo Barki, apesar dos dilemas conceituais, dos limites de atuação e dos desafios para uma mudança sistêmica, os negócios de impacto tiveram e ainda têm função significativa na sociedade. Em suas palavras: “Surgiram para desmistificar a ideia de separação entre sucesso financeiro e impacto social.” O pesquisador cita outros movimentos alinhados a essa perspectiva, como o capitalismo consciente, o valor compartilhado, o Sistema B e o ESG. “Isso mostra a tendência de revisão da natureza dos negócios para uma visão mais inclusiva e com um capitalismo menos selvagem.”
Ele também lembra que, para que o campo dos negócios de impacto alcance resultados mais efetivos, algumas condições são necessárias: colaboração, compliance, consistência, coerência e coragem. “São esses elementos fundamentais aos negócios de impacto, mas também podem ser colocados em prática por qualquer organização em busca de maior impacto social”, frisa.
O autor encerra o artigo com palavras bem atuais, dizendo que o momento que vivemos mundialmente, de polarização, aumento da desigualdade social e crises climáticas e ambientais, exige movimentos de transformação radicais da sociedade. E que as empresas têm papel fundamental nesse processo.
“Os negócios de impacto foram e podem continuar sendo relevantes na construção dessa narrativa, mas impacto, propósito e visões mais inclusivas deveriam ser centrais em todas as organizações e empresas. Por isso, temos de nos movimentar da discussão de negócios de impacto para uma reflexão mais ampla sobre os impactos dos negócios, em uma visão mais sistêmica, holística e integrada entre os diversos setores e atores da sociedade. Assim, conseguiremos migrar de uma mentalidade limitante de um conceito frágil e restrito de negócios de impacto para uma preocupação mais ampla e profunda com o impacto dos negócios na sociedade e seu papel para transformar a sociedade de forma mais radical, e não apenas incremental, sem mudar de fato o sistema”, conclui.
Camila Viana concorda e afirma que o futuro do desenvolvimento, tanto de Minas quanto do Brasil, depende não apenas dos negócios de impacto, mas de uma compreensão mais madura sobre essas oportunidades. “Os problemas que enfrentamos hoje são grandes, e nosso papel é entender como podemos contribuir para a melhoria e a preservação social e ambiental do planeta, além de desenvolver soluções por meio de novos modelos de negócios. Tudo isso exige novos processos, novas compreensões e muita inovação”, completa.
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