Política

Futuro do Renda Brasil é incerto após negativa de Bolsonaro

Futuro do Renda Brasil é incerto após negativa de Bolsonaro
Crédito: REUTERS/Adriano Machado

Brasília – A posição do presidente Jair Bolsonaro de descartar publicamente o uso dos recursos do abono salarial para vitaminar o Bolsa Família representa um tiro no coração do Renda Brasil tal qual estruturado pelo ministro da Economia, em novo capítulo do processo de desgaste sofrido por Paulo Guedes.

Ao custo anual de cerca de R$ 19 bilhões, o abono consiste no pagamento de um salário mínimo a cada ano aos trabalhadores formais que ganham até dois salários mínimos, funcionando como uma espécie de 14º na suplementação de renda.

A extinção do abono representava a espinha dorsal da focalização nos mais pobres pretendida por Guedes no Renda Brasil, já que o direcionamento de recursos para o Bolsa Família com o fim de outros programas teria um impacto muito menor.

No total, a equipe econômica calculava um aumento de R$ 21 bilhões ao programa de transferência de renda, considerando também a incorporação do seguro-defeso e a limitação do Farmácia Popular apenas aos que tivessem inscrição em cadastro social do governo. A ideia era, com isso, aumentar a base de beneficiados e o valor pago a cada família.

Em condição de anonimato, uma fonte do time apontou que, sem o pilar do abono, incrementar recursos para o Bolsa Família agora passa pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, para que haja desvinculação de gastos obrigatórios de modo que novas despesas possam ser criadas com respeito ao teto de gastos, que impõe limites ao crescimento total da despesa pública.

Uma segunda fonte da equipe econômica reconheceu que, descartado o abono, será preciso “sentar e conversar” para calcular a validade ou não do esforço político de seguir adiante com uma proposta de focalização de programas no Renda Brasil sem que haja recursos tão vultosos para alimentá-lo.

Na equipe econômica, a avaliação é que o abono acaba contemplando pessoas que estão empregadas e que estão no setor formal, em contraposição à população em extrema pobreza ou que não consegue trabalhar com carteira assinada, esses dois segmentos vistos como mais vulneráveis.

O governo já havia sido derrotado na sua tentativa, durante a reforma da Previdência, de limitar o abono aos que ganham apenas um salário mínimo. Agora, a equipe de Guedes acreditava no sucesso da junção de programas no Renda Brasil, sob o argumento de que era necessário priorizar recursos aos que mais necessitavam, no rastro da destruição econômica deixada pela pandemia de Covid-19.

Bolsonaro, contudo, expôs sua discordância ao pontuar nesta quarta-feira que a proposta do Ministério da Economia para o Renda Brasil estava suspensa e que ele não podia “tirar de pobres para dar para paupérrimos”, em referência à canalização dos recursos do abono para o Bolsa Família repaginado.

A fala provocou imediata reação no mercado, com alta do dólar e queda da B3, a bolsa brasileira.

Cerimônia – Com a declaração, o presidente jogou em território incerto a estrutura do Renda Brasil, programa que havia sido prometido por Guedes para terça-feira desta semana, dentro de um anúncio de peso, apelidado nos bastidores de “Big Bang”, que viria para o reforço à economia no pós-coronavírus.

A cerimônia acabou não acontecendo, em parte porque Bolsonaro queria um valor maior para o Renda Brasil do que os cerca de R$ 250 propostos pela equipe econômica, tarefa que ganha contornos ainda mais desafiadores com sua recusa em mexer no abono.

O episódio de ontem também ressalta a posição delicada de Guedes enquanto fiador da política econômica e responsável pela construção de uma extensão do auxílio emergencial e sua aterrissagem num Renda Brasil compatível com a regra do teto, vista como única âncora fiscal do País.

Caso o valor do auxílio caia pela metade ante os atuais R$ 600 mensais, sua prorrogação até o final do ano, como prometido por Bolsonaro, ainda custará aos cofres públicos R$ 100 bilhões.

Se a porteira para um gasto desta magnitude está aberta neste ano pela emenda do Orçamento de Guerra, que libera despesas relacionadas ao enfrentamento da crise da pandemia da limitação do teto de gastos, no ano que vem o governo não terá a mesma prerrogativa para turbinar os gastos na área social.

Ao contrário do ministro, que segue empunhando publicamente o discurso da responsabilidade fiscal, Bolsonaro admitiu recentemente que havia discussões dentro do governo para furar o teto de gastos, minimizando-as como apenas um debate. Colhendo os frutos políticos da recomposição de renda garantida pelo auxílio emergencial, o presidente também tem viajado cada vez mais pelo País para inauguração de obras.

Junto à saída recente de importantes auxiliares do Ministério da Economia, os ruídos entre Guedes e a ala desenvolvimentista do governo se intensificaram nas últimas semanas, alimentando especulações sobre a eventual saída do ministro do cargo.

Procurado, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre as declarações de Bolsonaro. (Reuters)

Rodrigo Maia: análise do presidente foi correta

Brasília – O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem compreender a dificuldade externada pelo presidente Jair Bolsonaro em autorizar cortes de programas como o abono salarial e o seguro-defeso para financiar o Renda Brasil, e defendeu que o Executivo organize a casa e busque medidas de consenso.

Maia, no entanto, disse não ver problema na fala de Bolsonaro de mais cedo, na qual o presidente disse ter decidido suspender a proposta apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para a criação do programa de distribuição de renda que o governo prepara para substituir o Bolsa Família.

“O presidente, hoje, diferente do que vocês avaliaram nos jornais, nas mídias sociais, acho que ele fez uma análise correta”, disse o deputado a jornalistas.

“Não é simples acabar com esses programas mesmo não.”

Maia disse que a fala presidente não tem “nada de mais” e argumentou que os “caminhos” são construídos a partir dessas divergências.

“Eu acho que o que tem problema é ficar discutindo e avançando em ideias que ainda não estão consolidadas e autorizadas pelo presidente da República”, apontou.

“O que a gente precisa, e acho que dentro do governo, com mais preocupação e mais responsabilidade nesse tema, é organizar a casa, organizar o que gera consenso dentro do governo”, defendeu.

Maia disse ter conversado com Bolsonaro sobre a prorrogação do benefício emergencial, e da dificuldade do governo de manter o valor de R$ 600 até o fim do ano. Segundo o deputado, a Câmara vai tratar do tema “com todo o cuidado e preocupação”.

Maia relatou ainda que uma coisa é certa, tanto no Parlamento quanto dentro do governo: o teto de gastos será respeitado.

Negativa – O presidente da Câmara confirmou ter participado de reunião, na semana passada, com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Negou, no entanto, que tenham tratado da possibilidade de os dois parlamentares poderem concorrer à reeleição para o comando das duas Casas.

“Eu não sou candidato à reeleição”, afirmou. (Reuters)

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