Mulheres crescem no eleitorado e são maioria em duas de cada três cidades

São Paulo – Ganhar votos das mulheres é cada vez mais importante para se eleger no Brasil. O crescente predomínio feminino no eleitorado faz campanhas políticas recalcularem rotas, define temas principais do pleito e acentua pontos de atrito entre direita e esquerda.
As mulheres constituem atualmente 52,6% da população habilitada a votar, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A diferença nunca foi tão grande. São, no total, 8,1 milhões de potenciais votos a mais que os dos homens ou quase quatro vezes a diferença de Lula (PT) para Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno da disputa presidencial de 2022.
A superioridade numérica cresce ao menos desde 1996, início da série histórica com dados disponíveis, tanto no quadro geral como nos locais. Neste ano de eleições municipais, as mulheres são a maioria do eleitorado em 3.657 cidades do País (65,7%). Em 1996, isso acontecia em apenas 775 municípios (14% na época).
A predominância do eleitorado feminino é ainda mais visível nas capitais e municípios com ao menos 200 mil eleitores, onde poderá haver segundo turno. Em todas essas localidades, as mulheres são maioria entre as pessoas aptas a votar. Os cinco maiores índices estão em Maceió (55,5%), Niterói (55,5%), Aracaju (55,4%), João Pessoa (55,4%) e Recife (55,3%).
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O eleitorado feminino tem características específicas e conhecê-las ajuda a angariar votos nesse público.
Pesquisas qualitativas mostram que elas tendem a ser mais orientadas para o detalhe, mais criteriosas na comparação e levam mais tempo para decidir o voto, segundo o consultor de comunicação política Igor Paulin.
Ele atuou nas campanhas vitoriosas de João Henrique Caldas (PL) para a Prefeitura de Maceió, cidade com maior eleitorado feminino, e na de Raquel Lyra (PSDB) ao governo de Pernambuco.
Outro aspecto importante, conforme ele, é que as mulheres têm muita informação para avaliar o serviço público. Usam maternidades, sabem como o filho está na creche e são as principais usuárias de serviços de saúde para si e para suas crianças.
A constatação desse fato esteve por trás de uma relevante decisão tomada na campanha de Raquel.
Como prefeita de Caruaru (PE), ela havia recebido o apelido de “Racreche”, usado pejorativamente por opositores pelo fato de sua gestão construir muitas unidades de educação infantil. “Percebemos que era um atributo”, diz. O apelido foi incorporado pela própria campanha, fortemente focada no voto feminino.
Pautas de saúde também tendem a se destacar na comunicação política voltada às mulheres, pois são elas que mais assumem tarefas de cuidado, diz a cientista política e professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Graziella Testa. “É um tema que aparece tanto nas eleições proporcionais quanto nas majoritárias e também no cenário internacional. Quando não existe uma boa assistência do Estado, o serviço recai sobre elas”, afirma.
Outro tema relevante para as mulheres é o da liberação do porte e posse de armas, que costuma mobilizar eleitoras, independentemente de outros recortes, como o religioso. “Mesmo mulheres evangélicas são menos propensas a serem favoráveis à liberação”, afirma.
Mulheres têm preferência pela esquerda
Pesquisas acadêmicas em diferentes países, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha, mostraram que mulheres tendem a votar mais à esquerda do que homens. A diferença foi atribuída a fatores como o aumento de divórcios, que deixou mulheres mais pobres e, portanto, mais propensas a apoiar partidos que priorizem o combate à desigualdade, à maior ligação delas com políticas sociais e à crescente escolarização.
Também no Brasil, pesquisas de intenção de voto apontaram vantagem mais larga de Lula sobre Bolsonaro entre as mulheres.
A cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mara Telles, por outro lado, diz que a disputa política em torno do que é a família e do que é ser mulher pode influenciar de alguma forma o cenário. O debate resvala em temas presentes nas últimas duas eleições presidenciais como banheiros unissex e educação sexual nas escolas.
Para ela, que também é presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais, enquanto a direita aparenta maior grau de consenso nesses debates, a esquerda parece estar dividida. (Angela Pinho, Ana Gabriela Oliveira Lima, Cristiano Martins e Nicholas Pretto)
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