COP 30: a relação entre a emissão de carbono, os povos indígenas e o preço dos alimentos

Em novembro deste ano, os olhos do mundo se voltam para o Brasil. É quando acontece a COP 30, 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. O debate envolve atores de várias áreas e países na busca por ações de combate ao aquecimento global. O evento marca também o aniversário de dez anos do Acordo de Paris, tratado internacional assinado por 195 países, entre eles, o Brasil, que se comprometeram a limitar o aumento da temperatura global a 2ºC acima dos níveis pré-industriais, mas buscando reduzir esse limite para 1,5ºC.
No ano passado, no entanto, a meta foi ultrapassada. O aumento da temperatura global estourou a marca de 1,5ºC pela primeira vez na história, deixando o planeta 1,6ºC mais quente. O ano de 2024 foi considerado o mais quente já registrado. Agora, a corrida para mitigar os efeitos das mudanças climáticas se torna ainda mais urgente.
O aquecimento global, causado pelo excesso de emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), causa prejuízos já no curto prazo. O CO2 é resultado de ações humanas, especialmente, aquelas relacionadas a mudanças no uso da terra, como a urbanização, a “limpeza” do solo para atividades agropecuárias, o desmatamento, as queimadas, a mineração, a construção de infraestruturas, dentre outras.
Essas alterações no uso da terra foram responsáveis pela maior parte das emissões brutas brasileiras: 46% em 2023. Os dados são do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que analisou as emissões de 1970 a 2023 sobre os gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil.
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Gráfico do SEEG mostra proporção de emissão de carbono por categoria a cada ano – Mt significa milhões de toneladas | Reprodução/ SEEG
Mudanças climáticas impactam negócios indígenas
Os efeitos imediatos dos eventos climáticos extremos são responsáveis, por exemplo, pelos preços mais altos dos alimentos no mercado, pela rotina mais cansativa dos trabalhadores que trabalham ao ar livre e por prejudicar, também, a vida e os negócios de quem protege a floresta: os povos indígenas.
A empreendedora Daru Tikuna, que tem uma loja de artesanato no Mercado Novo, no Centro de Belo Horizonte, recebe os insumos para produzir as peças direto de sua terra natal: a floresta Amazônica.
“A minha mãe manda pra mim lá do território, e quando vou lá também, eu trago. Há parentes que vão e voltam, e trazem a matéria-prima. Tenho essa rede que é feita da fibra tucum, extraída da folha da palmeira tucumã, lá da Amazônia. Não parece, mas ela é forte e resistente. Essa rede aguenta para mais de 100 quilos. A gente extrai a fibra da folha, põe de molho por uns dois a três dias, lava, põe pra secar, trança, faz o novelo, e aí, então, vai tecer”, detalha.

É por isso que o valor da produção indígena vai além do material. Envolve o respeito aos processos e ao tempo das plantas, além do conhecimento ancestral sobre as propriedades da natureza. “Quando as pessoas vêm aqui a gente apresenta o produto e elas conseguem entender esse valor agregado. É um produto natural, e além disso, é sustentável, e é uma medicina também. O tucumã é uma planta medicinal, dela é extraído um óleo antiinflamatório que serve para fazer massagem”, ensina Daru.
É preciso saber o momento certo para extrair a fibra: “Para colher, ela ainda tem que ser uma ‘mocinha’. Não pode ser depois de velha, quando ela já se transformou em uma palmeira. Porque aí vêm os tucumãs, que são os frutos”.
A rede é tingida por outra planta, o cumatê, que fornece diferentes tipos de cores após sua extração. “É uma planta rameira, extraída naturalmente. Depois que você colhe as folhas, ela vai ficando vermelha, e depois de um tempo, vai mudando de cor, para azul claro e preto. Tudo aqui é natural, não há nenhum produto tóxico. Essa rede, inclusive, pode ser lavada e secada”, conta.
Demais insumos são extraídos manualmente da natureza, com respeito e cuidado. Inclusive as penas dos pássaros, utilizadas na produção de cocares: “As penas vão caindo mesmo, e, muitas vezes, encontramos muitos bichos mortos por causa da caça ilegal, infelizmente. Mas as araras e demais pássaros trocam de penas regularmente, então a gente vai catando no meio da mata e dá para juntar uma boa quantidade”.
Todo esse cuidado com a extração da matéria-prima na floresta, no entanto, tem sido atropelado pela devastação. “Com o passar dos anos e com o desmatamento da floresta, a gente não está tendo mais recursos e meios de sobrevivência ali. Então, querendo ou não, encontramos na produção e venda de arte uma forma de sobreviver. Mas cada vez que acontece um desmatamento na floresta, isso prejudica esse trabalho, porque não sabemos mais em que estação estamos, e qual o período ideal de extração de cada planta para o artesanato. Isso influencia bastante”, explica.
O que acontece na floresta reverbera na cidade
É um ciclo. As mudanças no uso da terra geram mais emissão de CO2 na atmosfera, que reage e devolve aquecendo o planeta e causando graves mudanças climáticas. Não há mais estações bem definidas. Grandes tragédias, como as inundações do Rio Grande do Sul, impactam diretamente cerca de 2,4 milhões de pessoas, safras de itens básicos da alimentação do brasileiro são afetadas e os impactos são sentidos diretamente no bolso dos consumidores.
Economista do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Bruno Inácio explica que as mudanças climáticas afetam a economia de diversas formas, tanto na agricultura como na capacidade de os trabalhadores enfrentarem o dia a dia, como aqueles que trabalham na construção civil, por exemplo. Especialmente em períodos secos e extremamente quentes.
“As lavouras, por exemplo, sofrem muito com as mudanças climáticas e não precisamos ir muito longe para entender isso. No ano passado, passamos por diversas questões desse tipo, como o preço do azeite, por exemplo, que subiu por causa dos efeitos das mudanças climáticas na Europa. Ou as safras do Rio Grande do Sul, que também foram afetadas por um grande estresse climático. Ou o preço do café, importante item da nossa cesta básica, que subiu, também devido à escassez de oferta no Vietnã. Na falta de oferta por lá, houve mais demanda pelo nosso café aqui, e esse foi um dos motivos pelos quais o produto encareceu”, exemplifica.

“A gente estuda na escola, nas aulas de geografia, que os agricultores vão aprendendo a fazer rotação de cultura observando as estações. Agora, a gente tem mudanças em como as estações são distribuídas ao longo dos anos, o que dificulta que o agricultor faça, de forma planejada, a sua colheita. Nas grandes produções, para quem exporta, por exemplo, isso é muito significativo e vai impactar não só a qualidade e a produtividade da nossa agricultura e pecuária, mas o consumo das famílias”, completa.
É que se há uma produtividade menor na agricultura, segundo o especialista, há mais dificuldades de colher a safra e menos escoamento da produção.
“O agricultor é um tomador de preço. Ou seja, não é ele que vai definir o valor desses produtos, que são commodities. É a oferta e a demanda que vão fazer com que o milho e a soja, por exemplo, cresçam em valor no mercado. Então, se ele tem dificuldade em aumentar sua produção diante de uma demanda crescente, vai haver aumento de preço dos alimentos no mercado para compensar essa defasagem”, conclui.
Tecnologia ancestral pode ajudar
Ainda há solução. Todo o debate sobre as mudanças climáticas, os desdobramentos da iminência da COP 30 em Belém, no Pará, e a preocupação das empresas com metas de sustentabilidade têm um motivo: a perpetuação da vida na Terra.
Há uma forma de compensar a emissão de tantos gases de efeito estufa na atmosfera. A remoção de carbono. Por meio de tecnologias e mudanças de processos, as empresas podem “segurar” a emissão de CO2, dando outra destinação para esse resultante de processos industriais que não o ar.
A boa notícia é que as emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil em 2023 diminuíram. Foram 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico, segundo o 5º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na tradução (IPCC). Isso representa uma redução de 12% em relação a 2022, quando o País emitiu 2,6 bilhões de toneladas.
Segundo o relatório do SEEG, a redução foi puxada por uma queda de 24% nas emissões por desmatamento. Isso se deu “na esteira da retomada, pelo governo atual, das políticas de comando e controle da devastação na Amazônia”, diz o documento.
A redução nas emissões de CO2 tem relação direta com os povos indígenas e com a preservação da floresta. A maior parte (60%) das remoções no Brasil ocorre de áreas de vegetação nativa que permanecem em áreas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas).
Ao falar sobre a situação de alta informalidade dos indígenas brasileiros no mercado de trabalho, a pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) Janaína Feijó cita como um dos motivos para isso a falta de “habilidades e aptidões que o mercado está demandando”.
Por outro lado, o conhecimento ancestral sobre a Terra e o sentido inato de preservação da natureza podem ser justamente as habilidades que vão ajudar o planeta e a humanidade a sobreviverem. Os povos indígenas não separam humanidade e natureza. É tudo uma coisa só. Há etnias que consideram elementos da Terra parte da família.
“O rio Doce, que nós, os Krenak, chamamos de Watu, nosso avô, é uma pessoa, não um recurso, como dizem os economistas. Ele não é algo de que alguém possa se apropriar; é uma parte da nossa construção como coletivo que habita um lugar específico (…)”. diz o ativista ambiental indígena e imortal da Academia Brasileira de Letras, Ailton Krenak, em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”.
Talvez, mudar o entendimento sobre a separação do que é natureza e o que é gente seja justamente a tecnologia ancestral que poderá nos ajudar a adiar o fim do mundo.
* Essa reportagem é a terceira de uma série de três matérias.
- Leia primeira reportagem aqui: Empreendedorismo indígena: entre a aldeia e a cidade, povos originários buscam autonomia
- E a segunda, aqui: Negócios indígenas fomentam economia distributiva
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